"Ver para crer"
Quem conheceu Thomé sabe o quanto ele era contestador, do quanto necessitava das provas materiais para acreditar em algo. Ah, desculpem-me! Não me refiro ao apóstolo de Jesus, aquele que precisava "ver para crer". Porém, nunca vi uma homenagem nominal cair tão bem em um sujeito: O Thomé que vos digo é um indivíduo de meia estatura, meia idade, meio desconfiado. Cabelos compridos, grisalhos, barba na mesma cor, olhar distante, misterioso, riso difícil. Vestia roupas simples e gostava de viajar num Jeep vermelho, onde carregava de tudo: Principalmente suprimentos e ervas exóticas. Tá ok: Ervas alucinógenas!
Gostava de contemplar a natureza e todas as histórias que ouvia a respeito dela, e se pudesse, decifrava todas. Alguém tão pragmático e cético deveria mesmo se graduar em algo científico: E assim o fez. Formou-se em Geologia numa universidade pública paulista e aprofundou-se na espeleologia. As cavernas eram sua paixão, as entranhas da Terra pareciam hipnotizá-lo. Quando fumava as tais ervas exóticas e dirigia o velho Jeep, ficava mais louco que o Batman! Era como se fosse o próprio Homem-Morcego num Batmóvel off road atrás de mais uma Batcaverna.
No fim do ano letivo da universidade em que lecionava, resolveu que gozaria suas férias numa aventura solitária. Deixaria Rio Claro, no interior de São Paulo e iria no velho Jeep até São Thomé das letras, pequena cidade mística mineira. Ouviu dizer que lá havia uma certa "Gruta do Carimbado", onde muitos alegam haver um portal para Machu Picchu, a cidade perdida dos incas, localizada no Peru.
Qualquer cidadão lúcido deduziria que esta é uma lenda folclórica, que talvez tivesse como objetivo alavancar o turismo da pequena cidade mineira baseando-se no misticismo. Mais ou menos algo parecido com Varginha e seu famoso extraterrestre. Mas Thomé, não. Tal qual o apóstolo do Messias, ele precisava ver para crer. Na sua concepção, aquela história não poderia ter saído do nada. Devia haver algum sentido naquilo tudo.
Hospedou-se numa pequena pousada. No dia seguinte, foi com o Jeep até o ponto mais próximo da Gruta do Carimbado. Pegou tudo o que julgava necessário: Capacete com lâmpadas, mochila enorme, macacão, calçado adequado, cinto, água, cantis, alimento e bastante erva alucinógena. A propósito, quando alcançasse o portal energético, a viagem adiantaria bastante, como numa espécie de teletransporte.
A gruta do Carimbado teve sua entrada proibida pelas autoridades locais, por conta da degradação ambiental causada por visitantes e curiosos. Mas Thomé era um predestinado. Começou sua jornada em busca da civilização perdida. Seria uma descoberta que o tornaria um ícone da geologia internacional.
Os dez primeiros dias foram ganhando dificuldade gradual: Caminhos estreitos, rios subterrâneos, escuridão, frio, umidade. Dificuldade para se alimentar, a comida rareando, a solidão, o corpo estenuando as forças. No décimo terceiro dia, um clarão apresentou-se diante dos seus olhos! Luz branca, ofuscante, e em pouco tempo, ouviu-se o som melancólico de uma flauta pan. À sua frente, os altiplanos peruanos apresentaram-se com seu ar rarefeito, inúmeras lhamas e muitos descendentes incas. Felicitou-se de forma alucinógena, sobrenatural. Jurava que poderia morrer naquele exato momento.
Em Rio Claro e em São Thomé das Letras a busca pelo professor do curso de geologia foram iniciadas há pelo menos cinco anos, e sem sucesso efetivo, duraram apenas um ano. Nenhum familiar foi contatado por ele. Dos vestígios do homem, apenas o velho Jeep vermelho foi devolvido pelo dono da pousada à sua única irmã. Há quem diga que ele está no Peru, vagando pelas ruas de Machu Picchu. Outros dizem que morreu num ponto inacessível que sua louca e longa jornada lhe impôs. Vai saber...
* O Eldoradense