O PENHASCO ENTRE AS TRIBOS
Numa distância de milhões de quilômetros, um enorme penhasco separava as tribos do reino de Cuxe e dos apaches.
Os apaches estavam situados no lado nordeste do penhasco e eram um povo limitado na exploração da região. Acreditavam ser os únicos no mundo e viviam da caça e agricultura. Os apaches tinham muita criatividade, usando pedaços pequenos de pedras afiadas para fazer suas lanças e machados. Tinham uma boa vista para o mar, que se localizava ao sul do penhasco, mas o líder da tribo impunha regras, sendo uma delas que ninguém pudesse chegar ao mar, muito menos adentrar a floresta que se localizava ao norte do penhasco. Segundo o líder apache, por não saberem nada do outro lado do mundo, era perigoso saírem para muito distante da aldeia. Os apaches cultuavam no santuário que tinham construído ao redor do penhasco, invocando os espíritos de seus antepassados. Acreditavam que aquele lugar, por ser tão profundo e escuro, era sagrado e que todas as almas dos apaches mortos eram depositadas no abismo do penhasco. Quando um apache perdia a vida, no terceiro dia a sua tribo organizava um ritual no santuário e fazia grandes fogueiras simbolizando gratidão aos mortos por protegerem os vivos. Nas noites, os apaches ouviam estrondos altos vindo do fundo do penhasco. No dia seguinte, o líder convocava a tribo para prestar orações aos espíritos.
Ao noroeste do penhasco estava situada a tribo do reino de Cuxe, um povo muito curioso que acreditava na vida após a morte. Eles viviam da pesca, caça e agricultura e nunca tinham visto ninguém ao redor da sua aldeia. Acreditavam que eram os únicos no mundo e que o penhasco era o caminho para o inferno. O líder da tribo usava aquele lugar para jogar os negligentes que infligiam as regras no seu reino. Nas noites, os cuxes ouviam estrondos altos das profundezas do penhasco e o prócer Cuxe tinha a certeza de que a besta que guardava as portas do inferno debaixo do penhasco estava insatisfeita com Deus.
O penhasco estava situado ao sul do mundo e as tribos estavam localizadas em lados opostos do penhasco. Nenhuma das tribos tinha conhecimento da existência da outra. Dentro da floresta ao norte do penhasco, que também separava as tribos, existia um vale onde as águas saíam das montanhas, rasgavam pela metade a floresta e desaguavam na garganta do penhasco formando uma enorme cachoeira. Por fim, a água corria em forma de um riacho até o mar no sul do penhasco. As tribos viviam há vários séculos naquela região mas não sabiam dos fenômenos naturais que ocorriam na região. As duas tribos tinham suas crenças relacionadas à floresta, ao mar e ao penhasco.
Na tribo dos Apaches, anualmente, realizava-se uma cerimônia de aprovação de novos caçadores. Numa certa época, o Mazuk realizava essas provas. Ele era muito criticado por ser filho do líder superior da tribo. Os meninos da sua idade rumorejavam que o Mazuk era mimado e não passaria das provas. O Mazuk não gostava do que ouvia e queria passar nas provas para provar o contrário para sua tribo. Durante as provas, o Mazuk estava entusiasmado, mas não conseguia alvejar nenhum animal. Sempre que mirava com sua lança, os outros rapazes adiantavam-se e abatiam o bicho antes do Mazuk e depois riam-se dele. Quase no fim do dia, os caçadores foram caminhando até o fundo da floresta onde estavam as "árvores sagradas". O líder apache aconselhava que ninguém pudesse passar sobre as árvores e ir para o outro lado da floresta. Chegando àquela região de proibição, os caçadores deram fim às provas e decidiram voltar para a aldeia, desclassificando o Mazuk.
Este não soube lidar com a desclassificação e ficou frustrado. Saiu correndo em direção às "árvores sagradas". Seus companheiros foram atrás para segurá-lo, mas o Mazuk corria muito rápido e não foi possível alcançá-lo até que chegou do outro lado da floresta, passando sobre as "árvores sagradas". Percebendo que nada tinha acontecido quando estava na área proibida, continuou correndo no meio da vegetação e caiu na correnteza do vale. O Mazuk ficou demasiado assustado e gritou alto. Seus companheiros pararam de correr para prestar atenção de que direção vinha o voz do Mazuk. Olharam para o fundo da floresta e viram o Mazuk sendo arrastado pela correnteza do vale. Encheram-se de preocupação e foram atrás tentando salvá-lo, mas nenhuma tentativa deu certo porque a corrente estava muito forte e o Mazuk já não tinha forças para nadar contra ela. Ele foi levado para muito longe dos seus companheiros e perdeu a esperança de ser salvo. Seus companheiros voltaram para a aldeia e deram a notícia aos aldeões, que ficaram muito tristes e foram prestar condolências ao líder superior, que ficou inconsolável.
Mazuk tinha sido arrastado até a garganta do penhasco, onde despencou na cachoeira e caiu dentro de uma gruta debaixo do penhasco. Por causa da queda, bateu com a cabeça e desmaiou. Os apaches, sem saberem ao certo se Mazuk estava vivo ou morto, preparavam-se para realizar a cerimônia no santuário do terceiro dia do desaparecimento físico dele. Enquanto isso, Mazuk estava em apuros nas profundezas do penhasco. Depois de um tempo, ele despertou do desmaio e não conseguia ver nada além da escuridão. Estava completamente perdido. Tateando às cegas, esticou os braços e conseguiu se agarrar a uma rocha. Começou a caminhar seguindo o som da queda d'água na cachoeira. Quando se aproximava do som, viu uma cintilação no meio da escuridão e andou mais rápido, deduzindo que tinha encontrado a saída da gruta. No caminho, encontrou várias carcaças humanas e ficou desesperado, acreditando que havia uma fera dentro da gruta que se alimentava dos humanos. Continuou andando assustado em direção à cintilação e chegou a uma gruta ainda maior. Embaixo dela, havia uma poça gigante onde a água da cachoeira se depositava. Devido à pressão da água, a gruta estava se destruindo aos poucos, quebrando as rochas ao redor, e a poça estava aumentando a cada segundo. Uma rocha por cima da gruta quebrou-se e caiu na poça, causando um barulho muito alto. Depois de ouvir aquele barulho, Mazuk lembrou-se de ter ouvido aquilo várias vezes quando estava em sua aldeia e percebeu que estava em uma gruta por baixo do penhasco. Percebeu também que não havia espírito, como sua tribo acreditava, apenas a terra sendo engolida pelas forças das águas. Ele decidiu escalar as rochas para sair por cima do penhasco, onde a cintilação vinha. Quando Mazuk subiu, uma rocha quebrou-se novamente e caiu na poça, fazendo com que a terra tremesse. Mazuk não conseguiu se segurar e também caiu na poça. Ele não sabia nadar e afogou-se. Foi sugado pela corrente do riacho que levava as águas para o mar e foi deixado na praia. Por ter ficado muito tempo debaixo d'água, Mazuk estava muito fraco e não conseguia se movimentar.
Na manhã seguinte, um grupo de jovens pescadores do Reino Cuxe estava pescando no riacho próximo ao penhasco. Os jovens cuxes sabiam que era errado pescar naquela região, mas ficaram impressionados com a quantidade de peixes nas águas. Quanto mais peixes eles pegavam, mais se aproximavam do penhasco. Um dos pescadores viu um jovem deitado no chão e chamou seus parceiros. Inicialmente, eles pensaram que fosse um espírito amaldiçoando-os por pescarem em uma área proibida. No entanto, quando perceberam que o jovem implorava por ajuda, os cuxes encorajaram-se e foram ajudá-lo, levando-o para a aldeia do Reino Cuxe. O jovem, chamado Mazuk, estava muito fraco e não conseguia falar.
O líder do Reino Cuxe não gostou da ideia de acolher o jovem por não saber de onde ele vinha, mas estava curioso para saber o que Mazuk estava fazendo sozinho no mar. Ele ordenou que os curandeiros cuxes tratassem do jovem da melhor forma possível. Depois do tratamento, Mazuk mostrou melhorias e foi levado à tenda do líder. O líder perguntou a Mazuk por que ele estava naquela área proibida, mas Mazuk não respondeu porque não entendia o dialeto estranho que o homem de barba branca falava. Ele também perguntou onde estava, mas ninguém na aldeia conhecia o lugar de onde Mazuk vinha.
Por muito tempo, houve um desentendimento entre Mazuk e os cuxes, pois ele queria explicar que aquele lugar estava sendo engolido pelas águas do mar. Desesperado, Mazuk saiu da tenda do líder e procurou um ponto alto. Ele subiu e olhou para o penhasco, tentando gestualizar que queria se aproximar para ver o vale que o havia arrastado para dentro da gruta. No entanto, os cuxes não gostaram da ideia e proibiram Mazuk de se aproximar do penhasco. Apesar da insistência, Mazuk foi deixado para trás. Ele continuou caminhando em direção ao penhasco e sentiu uma energia negativa conforme se aproximava. Mesmo assim, ele prosseguiu, passando por enormes rochas e encontrando pinturas assustadoras que retratavam os cuxes jogando pessoas no penhasco. Mazuk ficou com medo ao perceber que aquela tribo praticava atos macabros. Ele se lembrou de ter visto carcaças humanas na gruta e percebeu que não havia feras por lá, apenas ossos de pessoas jogadas pelos cuxes. Mazuk não gostou de ver as pinturas e pensou que se ficasse mais tempo na aldeia dos cuxes, seria o próximo a ser jogado no penhasco.
Neste momento, Mazuk pensava em como poderia retornar para sua tribo. Ele procurou atalhos e viu muita fumaça saindo da floresta do lado nordeste do penhasco. Ficou muito feliz porque sabia que só sua tribo fazia fumaças perto do penhasco. Indignado, Mazuk perguntou a si mesmo se estava longe de casa por muito tempo, já que estava acontecendo uma cerimônia do terceiro dia da morte de alguém. Ele não sabia para quem era a cerimônia, mas quis voltar às pressas para casa e participar desse ritual. Emocionado, foi até os cuxes e explicou com gestos que sua aldeia estava do outro lado do penhasco. Pediu que os cuxes pegassem os barcos e dessem a volta pelo mar para sair do outro lado do penhasco. Explicou que no mar seria melhor porque na floresta era muito perigoso por causa do vale. Os cuxes entenderam pouco, mas escolheram alguns jovens para acompanhar Mazuk. Eles embarcaram e foram em direção ao nordeste do penhasco. Após um dia navegando, finalmente deram a volta pelo mar. Ao pôr do sol, quando estavam próximos da praia, Mazuk viu no alto da floresta as "árvores sagradas" de sua aldeia e ficou emocionado. Ele pegou os remos e ajudou a remar mais rápido. Quase chegando na praia, viu seus parentes saindo do santuário perto do penhasco. Gritou para que eles o ouvissem. Os apaches ouviram a voz de Mazuk e acharam que eram os espíritos que estavam alegres pela cerimônia. Seu pai prestou atenção na voz e olhou para o mar, viu vários jovens dentro de um pedaço de madeira. Ele apontou para o mar e disse que algo flutuava nas águas. Os apaches não acreditavam que fosse possível flutuar sobre as águas do mar e foram correndo para a praia para ver o que era. Viram Mazuk acompanhado de vários jovens estranhos. Assim que Mazuk desembarcou, seu pai o abraçou alegremente e o levou para a aldeia junto com os jovens cuxes. Mazuk ficou muito feliz por ter voltado para casa e pediu desculpas por ter desrespeitado as regras da tribo. Apresentou os jovens cuxes que o tinham salvado e seu pai agradeceu aos jovens e quis recompensá-los. Eles não perceberam o que o pai de Mazuk falava e recusaram o que estava sendo oferecido. O líder superior dos apaches não sabia o que fazer para agradecer aos jovens cuxes e pediu que todos fossem ao santuário agradecer aos espíritos. Mazuk ouviu seu pai falar dos espíritos apaches por baixo do penhasco, surtou e explicou que nas profundezas do penhasco não há espíritos. O barulho que eles ouviam era a terra sendo engolida pelas águas do mar. Mazuk fez todos os apaches perceberem que no meio da floresta, depois das "árvores sagradas", havia um vale que desaguava em uma corrente muito forte, destruindo a estrutura daquela área. A destruição aumentava a cada dia que passava. O mar se alastrava debaixo da terra, saindo do sul para o norte, e futuramente não haveria mais penhasco, vale e floresta. Toda aquela região seria submersa e só restaria o mar. Os apaches, ouvindo isso, não duvidaram de Mazuk depois de ele ter reaparecido num momento em que se pensava que estava morto.
Neste momento, Mazuk pediu ajuda para comunicar com o líder cuxe sobre a situação. Os apaches não entendiam o dialeto dos cuxes, mas Mazuk se lembrou das pinturas nas rochas perto do penhasco. Ele fez pedaços grandes de madeira e usou tinta de folhas esmagadas e carvão para criar desenhos que transmitiam a mensagem desejada. Os jovens cuxes levaram as placas de madeira de volta ao reino cuxe. Em uma das placas, Mazuk explicou sobre as carcaças humanas vistas na gruta sob o penhasco. Os cuxes entenderam e decidiram afastar-se do penhasco. As tribos decidiram espalhar suas famílias pelo mundo para evitar incidentes similares no futuro. Os apaches foram para o nordeste, leste e sul, enquanto os cuxes foram para o noroeste, oeste e norte. O mundo ficou completamente ocupado, mas anos depois, a grande poça sob o penhasco rompeu-se, causando erosões e dividindo o mundo em sete partes.