O ESCRITOR QUE ENTROU NUMA FRIA.
-"Julho. Inverno brasileiro. Férias escolares. Férias para os alunos e para os professores, como eu. Professor e escritor amador.
Merecidas férias, diga-se de passagem. Os pais que se virem com as suas crianças pois nós, professores e educadores, merecemos descanso.
E nada melhor que viajar! Espairecer e arejar a cabeça.
Com prazer calculei, financeiramente, as viagens pra otimizar o tempo com a família.
Atividades ao ar livre são essenciais, ainda que esteja frio. Defini um teto de gastos, afinal professor não ganha tão bem assim, certo?
Estava tudo na ponta do lápis mas confesso que tinha um belo capital, juntado por anos , rendendo na poupança e outras aplicações para esse fim: curtir umas férias fantásticas. Sabia que, o que pesa são as pequenas ações, um sorvete aqui, uma pizza ali, aluguel de carro, um jantar, um passeio de escuna, coisas do tipo.
Sempre tive vontade de levar minhas três irmãs comigo e o dinheiro possibilitou isso. Elas são alto astral, riem de tudo e seriam ótima companhia. Foi idéia da minha esposa levá-las e concordei.
Elas ajudaram muito na minha criação, era merecido. Pesquisamos juntos os destinos, com calma. Os preços variavam pouco, dependendo do roteiro, aeroportos e pontos turísticos. Só as reuniões com as irmãs, a esposa e as crianças em volta da lareira, comendo pizzas já valeram a pena. Pra qualquer emergência teria meu cartão de crédito, com limite alto, mas nem o utilizamos.
Na temporada mais gelada do ano compramos botas e casacos grossos no shopping. O frio dá um charme especial as pessoas, ainda mais nas cidades de nosso destino. Pra começar, visitamos Campos do Jordão, em São Paulo.
Um bate e volta de um dia, num carro alugado, pra acostumar com o frio. Eu ficaria um mês alí, tranquilamente e sem esforço, só erguendo xícaras enormes de chocolate quente, saboreando torta holandesa e outras delícias, numa temperatura fria mas convidativa a ficar na cama até tarde. Monte Sião, em Minas, foi nosso segundo destino.
Quatro dias incríveis. Um charme. Clima ameno, uma praça central maravilhosa com esculturas no jardim. As lojas de malharia além da culinária encantadora e deliciosa. Queijos e vinho divinos.
De lá, fomos pra Brumadinho, charmosa no inverno. Paisagem montanhosa, clima ameno. As crianças amaram o Museu Inhotim, arte contemporânea a céu aberto, jardim botânico, muita cultura e sustentabilidade.
O Festival de Inverno é nota mil. Chalés aconchegantes e muita hospitalidade dos mineiros. Caldas Novas, em Goiás, foi nossa próxima parada.
Um lugar maravilhoso, que todo brasileiro deveria conhecer. Os banhos quentes, nas águas termais, que chegam a 34 graus Celsius, são um prazer inesquecível. É uma bênção, além de curar e espantar o frio.
O Jardim Japonês e o Parque Estadual da Serra de Caldas Novas é de tirar o fôlego. As fotos estão todas lá, no Face e Instagram. Quatro dias e quatrocentas fotos no celular.
A culinária é impecável, frango com quiabo, temperado com muito pequi e açafrão, um néctar dos deuses. Caipirinha, muita conversa e música sertaneja. Piatã, na Bahia, foi indicação de amigos. Confesso que me surpreendi. A gente pensa em nordeste e acha que é um calor danado o ano todo mas não é bem assim. Fiquei surpreso.
O clima ameno da Chapada Diamantina é demais. Dizem que o ano todo é assim, fresquinho e danado de bom. Chegou a fazer cinco graus quando chegamos. Os passeios na Chapada? Um deslumbre. Vistas maravilhosas e com cachoeiras lindas. Uma natureza rica em biodiversidade, com morros, rios, lagos e cachoeiras. Se o diretor de O Senhor dos Anéis conhecesse essa região iria querer filmar aqui. Já imaginou?!
A gastronomia, meu amigo. Camarão na moranga, muqueca, caldinhos variados... É de um requinte sem igual. De lá, voamos pra Areia, na Paraíba, onde a temperatura se manteve em doze graus nos cinco dias.
Conhecemos os engenhos, os prédios históricos, rotas culturais. Valeu a pena. Guaramiranga, no Ceará, encerrou nosso tour pelo nordeste. Não é só calor não, o frio na serra, em meio a Mata Atlântica, existe.
A cidade é conhecida como a Suíça Cearense. A chuva trouxe mais frio e encanto a cidade com estilo colonial, lojas coloridas e a simpatia característica do povo nordestino, além das delícias da gastronomia local, como o Baião de Dois, que eu amo. A mala ficou lotada com artesanato regional, redes e souvenires.
Até aprendi a dançar forró, que é ótimo pra esquentar. Hora de dar adeus e voar, dessa vez pra Urubici, Santa Catarina.
Que loucura. Cânions majestosos e montanhas geladas. Um clima europeu, com araucárias e belas paisagens, numa das cidades mais frias do Brasil. As manhãs branquinhas, com neve, encantaram as crianças, que fizeram um boneco de neve na praça. As noites congelantes e um frio de tirar Pica-Pau do ninho.
Quatro noites com boa música, vinho e fondue. Usamos nossos casacões, luvas, gorros e duas meias pra dormir. Um gelo, literalmente, na cidade chamada de Sibéria brasileira.
Tinha fogueira em cada esquina e lareira no quarto do hotel. Ficamos vários dias pra aproveitar as trilhas, os cânions e mirantes. O bicho pegou mesmo em Cambará do Sul, já no Rio Grande do Sul, tchê.
Tivemos que comprar cachecol pra galera. A temperatura despencou a dois graus abaixo de zero. Haja chocolate quente, chá, café, sopas e culinária alemã. Por indicação de um amigo, o velho e bom monsenhor Lúcio, um padre italiano que sempre visitava as serras gaúchas a bordo de seu Del Rey amarelo, esticamos até a cidade de Canela.
Parecia que estávamos na Europa. Um deslumbre. Graças a Deus tinha ar condicionado nos quartos do hotel e lareira no saguão. Que gelada essa viagem. Aliás, quase não vimos o astro rei.
Quem sabe, na minha aposentadoria, que está próxima, não me mude pra uma dessas cidades?
Sem dúvidas, entrei numa fria mas foram as melhores férias da minha vida."
Encontrei esse texto numa revista antiga, num consultório de dentista e achei o máximo.
FIM