André Yudi - Alto-mar
São Paulo, 07 de dezembro de 2023
Eu e meu amigo Felipe estamos viajando de avião para o Canadá e ficaremos uma semana por lá, estou escrevendo esse diário para registrar os acontecimentos. A viagem está tranquila, mas como sempre tenho medo de voar, decidi tomar um calmante para dormir e o tempo passar mais rápido.
Algum lugar entre São Paulo e Canadá, 08 de dezembro de 2023
Ao acordar, ainda sonolento, senti o meu corpo sendo arremessado violentamente para fora do meu assento em direção ao ar. Uma pessoa me agarrou e uma onda batendo no meu peito, na hora e percebi que o Felipe estava se segurando na asa do avião; ele me ajudou a subir nela também, estávamos à deriva. Ele me explicou que quando eu dormi uma forte tempestade aconteceu, o avião perdeu o controle e caiu no mar. Depois que ele terminou de contar, o que havia acontecido, começamos a remar com nossas próprias mãos e fomos procurar por mais sobreviventes, mas sem sucesso na missão.
Analisamos os recursos que tínhamos, não era tanta coisa: no meu bolso estavam duas canetas e esse caderno molhado; pela areia achamos duas garrafinhas de água, algumas embalagens de aperitivos do avião e meu celular, que estava encharcado e não ligava. Fomos procurar mais recursos nos destroços do acidente, mas só achamos um espelho de maquiagem quebrado, peças aleatórias de roupas e um fio dental, que boiavam.
Precisamos ser achados logo.
Algum lugar entre São Paulo e Canadá, 09 de dezembro de 2023
Já estamos com muita fome, mas temos de economizar comida. Meu amigo está tentando pescar com a mão, tenho certeza que ele não vai conseguir, mas ele é muito insistente. Fiquei com raiva e peguei um pedaço dos destroços do avião, amarrei o fio dental na ponta e depois coloquei um pouco de comida, fazendo uma vara de pesca improvisada. Surpreendentemente, consegui pegar um peixe, mas como não tínhamos fogo para assá-lo, comemos cru; logo eu, que nunca quis experimentar comida japonesa justamente por nojo de peixe cru... O Felipe que comentou essa ironia.
Algum lugar entre São Paulo e Canadá, 10 de dezembro de 2023
Ao anoitecer, com algo no estômago decidimos dormir, mas no meio da noite aconteceu uma tempestade.
O Felipe tentou pegar os recursos para que não caíssem no mar, mas o vento estava muito forte e as ondas turbulentas; a asa poderia virar a qualquer momento, o que significaria as nossas mortes, então eu me segurei com todas as minhas forças para não cair.
Passaram-se horas e a tempestade parecia que não acabaria nunca, mas quando finalmente acabou, estávamos muito longe do avião, nem conseguíamos vê-lo. Ao olhar para o horizonte, vi uma ilha remota, então juntamos as poucas forças que ainda tínhamos e remamos até lá.
O meu amigo, mesmo exausto, correu para a terra e viu um coqueiro, o que o motivou mais ainda; ele conseguiu, não sei como, quebrar o coco e bebeu a sua água rapidamente; eu repeti o processo.
Algum lugar entre São Paulo e Canadá, 11 de dezembro de 2023
A ilha é muito pequena, não tem nenhum animal, não conseguimos mais pescar nada.
Estamos vivendo exclusivamente do coco.
São Paulo, 16 de dezembro de 2023
Passamos cinco dias naquela ilha, nos alimentando apenas com peixes e muito tédio.
Quando não víamos mais saída para aquela solução, avistamos um helicóptero, não poderíamos perder essa chance. Logo percebemos que não ouviriam nossos gritos fracos, então pegamos o espelhinho quebrado e o usamos para refletir o sol no helicóptero.
Quando o piloto, chocado, pousou e nos resgatou, perguntando se estávamos bem. Eu respondi: “Tirando o fato de a gente ter sobrevivido a um acidente de avião, quase morrermos em uma tempestade, ficarmos uma semana perdidos... tirando isso, estamos bem”.
Agora, ainda no hospital me recuperando, precisei explicar para a enfermeira porque joguei a caixinha de água de coco na parede.