Desabafo de um cachorro

Completei uma semana de vida. Que alegria ter chegado a este mundo!

Minha mamãe cuida muito bem de mim. É uma mãe exemplar!

Hoje me separaram de minha mamãe. Ela estava muito inquieta e, com seu olhar, disse-me adeus. Espero que a minha nova “família humana” cuide tão bem de mim como ela o fez.

Cresci rápido; tudo me chama a atenção. Há várias crianças na casa e para mim são como “irmãozinhos”. Somos muito brincalhões, eles me puxam o rabo e eu os mordo de brincadeira.

Hoje me deram uma bronca. Minha dona se incomodou porque fiz “pipi” dentro de casa. Mas nunca me ensinaram onde deveria fazê-lo. Além do que, durmo no pátio de entrada. Não deu para aguentar.

Sou um cão feliz! Tenho o calor de um lar; sinto-me tão seguro, tão protegido… Acho que a minha família humana me ama! O pátio é todinho meu e, às vezes, cavo na terra como meus antepassados, os lobos quando escondiam a comida. Nunca me educam. Deve ser correto tudo o que faço!

Hoje completo um ano. Sou um cão adulto! Meus donos dizem que cresci mais do que eles esperavam. Que orgulho devem ter de mim!

Hoje me acorrentaram e fico quase sem poder movimentar-me até onde tem um raio de sol ou quando quero alguma sombra. Dizem que vão me observar e que sou um ingrato. Não compreendo nada o que está acontecendo.

Nada é igual… Moro na varanda. Sinto-me muito só. Minha família não me quer! Às vezes esquecem que tenho fome e sede. Quando chove, não tenho teto que me abrigue…

Hoje me desceram da varanda. Estou certo de que minha família me perdoou. Eu fiquei tão contente que pulava com gosto. Meu rabo parecia um ventilador! Além disso, vão levar-me a passear! Fomos para a rua e, de repente, pararam o automóvel. Abriram a porta e eu desci feliz, pensando que passaríamos o dia no campo. Não compreendo porque fecharam a porta e se foram. Lati… Corri atrás do carro com todas as minhas forças. Minha angústia crescia ao perceber que quase perdia o fôlego e eles não paravam. Tinham me esquecido.

Procurei em vão achar o caminho de volta ao lar. Estou perdido! No meu caminho existem pessoas de bom coração que me olham com tristeza e me dão comida. Eu agradeço com meu olhar, do fundo da alma. Queria que me adotassem: seria leal como ninguém! Mas somente dizem: “pobre cachorro, deve ter se perdido.”

Um dia desses, passei perto de uma escola e vi muitas crianças como meus “irmãozinhos”. Aproximei-me e um grupo deles, rindo, me jogou uma chuva de pedras “para ver quem tinha melhor pontaria”. Uma dessas pedras feriu-me o olho e desde então, não enxergo com ele.

Parece mentira! Quando estava mais bonito, ainda tinham compaixão de mim. Já estou muito fraco; meu aspecto mudou. Perdi o meu olho e as pessoas me mostram a vassoura quando pretendo deitar-me na sombra de uma calçada.

Quase não posso me mexer! Hoje, ao tentar atravessar a rua, um carro me bateu! Eu estava no lugar seguro chamado “calçada”, mas nunca esquecerei o olhar de satisfação daquele condutor, que até se vangloriou por acertar-me. Quisera eu que tivesse matado! Mas só me deslocou as cadeiras! A dor é terrível! Minhas patas traseiras não me obedecem e com dificuldade arrastei-me…

Faz dez dias que estou embaixo do sol, da chuva, do frio, sem comer. Já não consigo me mexer! A dor é insuportável! Sinto-me muito mal; fiquei num lugar úmido e parece que meu pelo está caindo… Algumas pessoas passam e nem me vê em; outras dizem: “não chegue perto”. Já estou quase inconsciente; mas alguma força estranha me faz abrir os olhos. A doçura de uma voz me fez reagir. “Pobre cãozinho, olha como te deixaram”, dizia… junto com ela estava um senhor de avental branco. Começou a tocar-me e disse: “Sinto muito senhora, mas este cão já não tem remédio. É melhor que pare de sofrer”.

A gentil dama, com as lágrimas rolando pelo rosto, concordou. Como pude, mexi o rabo e olhei-a, agradecendo-lhe que me ajudasse a descansar. Somente senti a picada da injeção e dormi para sempre, pensando em porque tive que nascer se ninguém me queria….

Jova
Enviado por Jova em 10/05/2023
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