O encontro
Por volta das 18 horas, o dia se retirava preguiçoso, enquanto o Sol ainda se equilibrava tênue na linha do horizonte, tingindo um crepúsculo magnífico de cores exuberantes, ora vermelho carmim, ora rosa choque, ora de um marrom degradê que aos poucos escurecia toda a abóbada celeste.
Ainda equilibrado em sua enxada com cabo irregular de angico, Tonico sorvia goles fartos da água fresca conservada em uma moringa, depositada à sombra de uma frondosa Santa Bárbara.
Era hora de regressar para casa, mas antes deu uma boa olhada na roça, avaliando o resultado da faina diária e, satisfeito, planejou de soslaio o restante do trabalho a executar nos próximos dias.
Enxada, moringa e marmita às costas, Tonico rumou picada adentro, a uns trinta minutos de passos decididos ao barraco em que morava com a esposa Merva (Mervinalva), o som dos quero-queros e aqui e ali a surpresa de codornas ligeiras, não o surpreendiam e, ao contrário, tornavam o percurso familiar e previsível como sempre, alimentando o cismar de pensamentos bons e fugidios.
Todavia, ao saltar de uma riba, já próximo do seu rancho, topou com uma onça preta, que talvez pela posição reversa do vento, também não havia percebido a presença de Tonico, - ambos urraram assustados -; a onça de um salto ligeiro precipitou-se por sobre um pé de mamonas e quebrando galhos e tocos desapareceu na escuridão da mata; Tonico até hoje não sabe onde foram parar as tralhas que trazia consigo, apenas, surpreendentemente encontrou-se suspenso num coqueiro de macaúba e ali ficou um bom tempo sentindo o sangue e a adrenalina latejando em seu corpo.
Merva, ouvindo o estridente grito, veio imediatamente em seu socorro, ... encontrando o companheiro agora ao pé do coqueiro com os olhos e a boca arregalados, - ocorre que, como efeito do urro descomunal e do encontro fatídico com a felina, sua arcada dentária se desconjuntara da mandíbula, impedindo que a boca se fechasse e retornasse à posição normal.
Foram para casa..., porém, a despeito dos seus esforços e da esposa, não conseguiram reencaixar os maxilares, ficou assim por três dias.
O problema somente foi resolvido ao visitarem um cafuzo chamado Nhecã, que era uma espécie de curandeiro e massagista da região.
Ao voltarem para casa, próximo da sanga que banhava o local, encontraram o cadáver de uma grande onça preta, ... aparentemente morrera de sede, pois seu maxilar estava deslocado, com a boca aberta e sua língua ressecada, ao seu lado havia uma moringa de barro, despedaçada.