CORREIO ELEGANTE
— O barracão passou por uma limpeza brava! — informou a Izabel, entrando no quarto e fazendo minha outra irmã abaixar o rádio — Nem parece uma oficina mecânica.
Eu ouvia tudo sentado na beirada da janela, do lado de fora, onde não podiam me ver. Minhas irmãs estavam na turma da montagem da quermesse. Bom, a Izabel estava. Porque a Lúcia não queria nada com nada. Só pensava no namorado, o tal Joaquim, e em ouvir os discos do Roberto Carlos.
Pensando na quermesse, fiz um monte de coisas em casa. Arrancar uns trocados do meu pai exigia um negócio que ele chamava de “recíproca”. Eu só queria saber dos prêmios na pescaria. A Izabel contou sobre um caminhão de plástico, com reboque de tanque de gasolina.
— Tem até o decalque da Havoline!
O Luiz e o Zé Antônio iriam pescar também. Esperava que não disputassem comigo. Torcia para ter uma bola de capotão de prêmio para o Luiz e um ursinho de pelúcia para o Zé Antonio. Podia apostar com qualquer um: ele só iria pescar para presentear uma garota.
Ganhei dez moedas pelos serviços que papai me passou
— Venha aqui — ordenou ele, quando acabei de jogar o mato arrancado dos canteiros no cesto de lixo.
— Sim, senhor.
— Dessa vez passa. Tome aqui o seu pagamento pela grama aparada, pelos canteiros limpos e pelas flores da sua mãe. Mas, o senhor fica me devendo, ouviu bem?
— Poxa, pai! Devendo o quê? Fiz tudinho, conforme o combinado.
— Você viu o muro do quintal? Precisa de mais duas demãos de tinta. Falei para você sobre os tijolos chuparem a primeira demão, não foi?
Não entendia o porquê de falar “demão”. Bom, era meu pai, devia saber o certo. Deu-me as moedas de cinquenta centavos. Segundo a Izabel, daria para comprar dez fichas. Duas para comer alguma coisa e uma para o refrigerante. As outras sete para a pescaria e os prêmios.
Saí às sete horas, prometendo voltar antes das dez. Ia passar na casa dos amigos, antes. O Zé Antônio não podia ir. O tio dele estava no hospital e os pais o fizeram ficar em casa. Ele estava com a mesa armada, jogando botão sozinho. A mesa era linda e não consegui recusar umas partidinhas.
Perdi a hora, conversando sobre os prêmios e jogando. Ele me falou sobre o tamanho das argolas das iscas. E confirmou sobre o caminhão. Ficar em casa enquanto a gente se divertia na quermesse seria ruim para chuchu, e fiquei com pena dele. Mas, o animei:
— Quem sabe amanhã você pode ir?
Encontrei o Luiz na entrada:
— Pensei que vocês não vinham! Cadê o Zé?
Contei sobre o problema do tio do Zé Antônio.
— Poxa, que chato! As garotas estavam esperando e apostando para ver quem ia ganhar um Correio Elegante — disse ele.
— Correio Elegante? Bobeira! Coisa de menina, mesmo.
— Você é tonto? Não quer aprender a namorar, não?
Querer eu queria. Mas essas coisas passavam longe da minha cabeça, por enquanto. Achava umas garotas bem bonitas. Mas ouvia minhas irmãs conversando sobre garotos serem infantis demais. Eu só tinha doze anos, então estava certo em esperar.
Entramos no barracão e passeamos por todo o circuito. Dona Cândida tinha feito paçoca de travessa e não resisti. Nem a da minha mãe ficava tão supimpa como a dela. Fez um cone com papel de embrulho e colocou duas colheradas cheias no meio. Lá se foi a primeira moeda. Luiz também comprou. Veio com um guardanapo para a gente se limpar depois de comer. Dona Cândida tinha certeza que iríamos nos lambuzar.
Dona Izildinha comandava a barraca da pescaria. Fomos para lá, mas não compramos ficha. Ficamos “namorando” os prêmios expostos na prateleira. Nem bola, nem caminhão.
— Ô, Dona Izildinha.
— Espere um instante, menino! Já lhe atendo.
Ela entregou um saco de bonecos de forte apache para o Alessandro. Ele era de outra escola. Já tínhamos brincado juntos uma vez. Ele adorava forte apache.
— Vai querer pescar? — perguntou ela com a varinha do Alessandro na mão.
— Minha irmã disse que tinha um caminhão de posto de gasolina nos prêmios.
Ela olhou para a prateleira e depois voltou a olhar nós dois. Sorriu. Deu para ver o olhar de pena atrás do sorriso. Já tinha saído. As bolas de futebol também já tinham saído.
— Vamos pegar outra paçoca? — sugeriu o Luiz.
Estávamos saindo para a barraca da Dona Cândida, quando o Robertinho bateu no meu ombro:
— Tem um correio para você!
Estava fantasiado de carteiro e me entregou um papel todo decorado de corações vermelhos. Percebeu que eu fiquei olhando e disse:
— Foi uma menina muito bonita quem mandou, viu?
Fiquei com o envelope na mão pensando, enquanto o Luiz ria.
— Quero ver agora! Vai arregar? Lê aí, bobão!
Eu não era o bonitão da praça sete. Era tímido e calado. O Zé Antônio era o preferido das professoras, das minhas irmãs e das garotas. Até o Luiz era mais animado e cara dura. Conversava com todas elas na escola. Mas, se não fosse lição ou trabalho em grupo, pouco falava. Não vou mentir: meu pai vivia conversando com o pai da Isabela. E os dois brincavam sempre, dizendo que iam casar nós dois.
Ela era bonita. Loira, com o cabelo no meio das costas, sempre solto. No máximo, com uma trança de ladinho com laço de fita. Já tínhamos feito trabalho de escola no mesmo grupo. Enquanto pensava na Isabela, na Helena e na Ana Rosa, o Luiz também recebeu correio elegante. Dois até. Fiquei com inveja, mas olhei para o papel na minha mão, ainda fechado.
Guardei no bolso. O Luiz não parava de olhar para todo lado, procurando quem tinha mandado para ele. Também passei os olhos pelas garotas, mas elas pareciam nem perceber nós dois ali.
— Você não vai abrir, seu bobão?
— Não sei. Abre você, oras bolas, recebeu dois!
— Um deles não é para mim.
— Hã? Como assim?
— A Fernanda está perguntando onde está o Zé.
Ele fez uma careta e nós rimos. Afinal, a menina tinha gastado cinquenta centavos para perguntar do Zé Antônio, em vez de perguntar direto para nós.
— O outro, fala sobre minha camisa verde ser muito bonita.
— Ninguém assinou?
— R, apenas. Pode ser a Renata, a Rosemary, a Ana Rosa, sei lá.
Parei de ouvir antes dele terminar. E se no meu correio elegante houvesse uma mensagem igual? Resolvi abrir. Escondi para o Luiz não ver. Não perguntava do Zé Antônio. Menos mal! “Ainda bem que você veio. Pesquei um presente para você. Assinado Josiane”.
— Meu caminhão!