QUARTO MISTERIOSO

O corredor estreito da varanda findava em um quarto incomum. Não era um quarto desses que a gente está acostumado, cama, cômoda, escrivaninha etc. Era um quarto misterioso, o porquê eu nâo sei, mas todas as vezes que eu me via em possibilidade de entrar naquele lugar, suava frio, ficava com falta de ar. Somente meu avô tinha acesso a ele. Mais uma vez eu estava a sós com meu avô. Zezinho e Laura tinham ido ao roçado pegar algumas batatas. Me juntei ao meu avô e ficamos ali na varanda em um Papo descontraído, de repente

Minha atenção se voltou para o cômodo místico. Meu avô se levantou para pegar algo, com muito zelo tirou uma chave do bolso, virou-a na fechadura do cômodo, eu atrás puxei conversa...

— Vô o gado do seu Valdivino tava dentro da sua cerca..

Esperei o complemento para saber se eu podia entrar, recebi um olhar de repulsa enquanto ele empurrava com cuidado a  porta, entrou e encostou-a imediatamente. Nunca deixava a mostra o interior do ambiente. Entendi a repreensão e virei para a área externa da casa por onde Zezinho e Laura haviam sumido. Naquele momento vi uma infinidade de aranhas e escorpiões tomarem instantaneamente conta do corpo do meu avô, enquanto tantos outros pesonhentos enegreciam o assoalho vindo em minha direção, voltei a olhar para a porta, voltei a olhar para o descampado, ufa! Era só uma visão, permaneci na posição de origem até perceber que ele voltava tranquilamente com um rolo de arame na mão, convidou-me para ir até o chiqueiro arrumar umas tábuas soltas.

— Vamos lá?

...

— Segura na ponta..

— Já

— Segura firme..

— Tô segurando

— Pronto quero ver agora sairem.

Terminado a tarefa retornei a casa enquanto ele permaneceu alimetando os animais.

Entrei cuidadosamente na varanda e permaneci lá, diante de mim estava a porta, alguns passos eu venceria o medo, girava a fechadura e escancarava o que mais eu temia. Laura e Zezinho não deve vir agora, pensei.

Cadenciei os passos. Parei diante do mistério. Pus a mão direita já fria e suada na fechadura. Fechei os olhos e girei. A porta estava trancada. Que raiva! que alívio! Debrucei-me na varanda até a recoposição dos ausentes.

No retorno a casa de Zezinho,

Decidimos mudar a rota, e passar na casa de Norato, mas a casa estava fechada.Tal qual o quarto do meu avô. No decorrer do caminho, ficamos sem assunto, o que me permitiu pensar novamente no quarto. Precisei dividir com Zezinho

— Zenhinho tu já entrou no quartinho do vovô?

— Eu não, Deus me livre!

— O que será que tem lá dentro?

Por que será que ele nunca deixa agente entrar?

— Pois é... Eu até comentei com Laura sobre o quarto.

— E ela...

— Desconversou.

Fui ficando para trás, ele andava mais rápido do que eu, até silenciarmos novamente.

O quarto era diferente dos demais cômodos, não tinha janela, iluminação quase inexistente, era do conhecimento de todos, que qualquer objeto levado por ele para dentro daquele cômodo, era de propriedade restrita.

Certo dia, ouvi um diálogo dos meus tios...

— Valdeci, quando vier a tarde trás a bolsa de ferramenta do pai,

— Sei não, heleno, Ele levou lá pro quartinho

— Ah! então deixa.

O enigma do quarto, causava temor aos adultos, medo as crianças, e curiosidade aos visitantes, meu tio Valdeci cogitava que o vovô guardava uma bolada de dinheiro, dizia até que meu avô nunca comprava nada para ele. As roupas eram sempre as mesmas.

Tio Heleno o popularizou como o quarto dos pombinhos, se referindo ao meu avô e  a minha avó.

Para minha tia Madalena, era o quarto das ferramentas,

Para minha mãe, nada demais, ele só não gostava que mexessem nas coisas dele.

Adiantei os passos correndo...

— Zezinho, você topa entrar no quarto do vô comigo?

— Ele tranca

— Você tem é medo

— Eu, com medo? de que?

— Do vô.

— Ah! Do vô brigar, tenho mesmo.

— Será se Laura entra comigo?

— Ela tem é pavor.

Eu não estava confomado com o desprezo de Zezinho.

Que segredo o vovô guardava naquele recinto. Me recordo poucas vezes que vi minha vó entrando no quarto. Segundo ela  apenas para tirar tralhas. E mesmo assim, só entrava na companhia de meu avô.

O propósito que coloquei na cabeça era bem maior que o medo,

Seguimos andando margeando o igarapé até  casa de Zezinho. Isso já se aproximava das 18 horas, fomos recepcionado por tia Madalena.

— Isso é hora, Zezim?

—Vovô mandou trazer para senhora

— Macaxeida cozida? Esse papai, mesmo. E esses tucumãs?

— Juntei no caminho

— Será se é bom?

— Ele perguntou se a senhora ainda vai querer as manivas?

— Amanhã passo lá.Tomam logo o banho de vocês antes que escureça. Cada um pegou uma toalha no varal e se dirigiu para o igarapé onde se encontravam os demais pueris.

A noite, já na rede fiquei bolando o assunto do quarto.

Todos já tinham dado palpite, e eu, o que achava? Não me vinha nada concreto. As férias de fim de ano se aproximava do fim e eu sem descobrir o segredo do vovô.

Nas férias seguintes o infortúnio do quarto incomodava de forma perversa. Perseguia-me a ideia de ser mais ousado. Se vovô entra e sai de lá ileso, por que aconteceria algo ruim caso eu entrasse lá? Ele só não precisaris saber, o respeito ao velho Luzardo pesava, e eu sempre desistia de uma atitude mais ousada.

Passou-se duas férias, eu já me aproximava dos 14 anos, meu avô já com a saúde debilitada, finalmente concordou em se mudar para a cidade.

Como de costume, mal as aulas terminaram, fui mais uma vez para o sítio. Na oportunidade convidei Zezinho para desvendar o mistério do quarto, já que meu avô não morava mais lá. E se a porta estivesse trancada nada mais me impediria de forçar uma tábua velha e entrar no quarto.

— Vamos Zezinho, a casa do vovô?

— Fazer o que?

— Deixa comigo, hoje a  agente descobri tudo.

— Não tem ninguém lá,

— Por isso mesmo

— A casa tá abandonada

— Melhor ainda

— Eu vou mais você entra só.

Ao chegarmos no local, nos deparamos com uma surpresa,

A decepção tomou conta de mim, tive uma crise de choro,

— Por que você está  chorando?

— A casa, Zezinho

Senti os braços de Zezinho me dando volta nos ombros enquanto olhávamos em direção da casa.

— Nosso avô não vai mais voltar pra cá, Maurício

— Eu, sei, Zezinho, eu sei.

Naquele instante as férias estava deixando de ter sentido para mim.

Os escombros ainda estavam lá. Sem definição do que era, casa, corredor e o quartinho misterioso do meu avô.

Meus tios haviam desmanchado a casa toda para usar o madeirame em um galinheiro.

Voltamos decepcionado naquele dia.

Subitamente, senti que algo muito precioso haviam tirado de mim sem o meu consentimento. A casa representava toda relação de afeto que cobstrui com meus avós.

Uma coletânea de imagens dissipadas em Monturo.

"Olha, quem veio visitar o vovô!"

"Bençã vô!" Bençã vó !"

"Helena, faz alguma coisa pra esses meninos comerem"

"E tua mãe, meu filho?"

O dialogo sempre começava do mesmo jeito. Mas nunca caía em monotonia.

O quarto muito bem revestido, de repete, rebaixado a parede de um galinheiro, foi um fim sem corpo, sem velório, sem enterro e sem sepultura, Preferia mil vezes que aquele lugar, aquela casa, aquele quarto misterioso continuasse pelo menos para mim sendo um lugar encantado ao ver os escombros de madeira sem nenhuma nobreza e sem distinção alguma no chão.