O BODE BARBADO

Os curumins do seu valdivino  quando se reuniam pareciam o diabo encarnado, eu não desejava ser mal como muitas vezes os vi ser, mas uma coisa eu admirava, eram poucos que se metiam a besta com eles. Daqui pra ali. Eles arrumavam uma teima com alguém, que sempre terminava em embaraço, queriam levar vantagem em tudo. Eram temidos, trabalhavam sempre em bando. E vê-os se dando mal chegava  ser divertido.

O sol já adiantado nas horas, fumegava, e o pau torando na casa de farinha, eu via aquilo tudo como um evento grandioso. No barracão de palha via se um amontoado de tuíras enchendo o tabuleiro de mandioca lavada enquanto tia Madá, empurrava mandioca no cilindro crespo. Os braços e dorso salpicados de massa denunciava a rusticidade e o perigo do serviço. Qualquer vacilo, ficavam sem os dedos, sem um dia de trabalho. Até que Lembrou-se ela de providenciar um vinho de bacaba para ajudar na nutrição dos trabalhadores. Olhou para zezinho no tanque.

Por conta do barulho da máquina teve que gritar.

— Zezim, zezim, meu filho, vê se o malaco vai apanhar uma bacaba pra nós.

Estávamos lavando uma porção de mandioca, eu mais colocava no barril e zezim que fazia toda tatefa chacoalhadando as raízes.

Zezinho, interrompeu a lavagem preguiçosa que fazia da mandioca descascada, franziu a testa e não pode entender o que a mãe dizia, o barulho insurdecedor do motor impedia a comunicação audível, sendo necessário a interrupção da rotação da máquina para fazer didático a explanação. Antes mesmo do som silenciar o ambiente, madá exprimiu o mandado.

— Meu filho vê se o malaco vai apanhar bacaba para nós.

A peconha tá lá na cerca, vê se não deixa a porteira aberta. Zezinho era desligado das coisas, vivia no mundo da lua. Saiu resmungando,  — Tudo eu, tudo eu...

— Vamos lá, Maurício?

— Tenho medo do barbado

— Vai ligeiro zezim. Gritou tia madá

Quando minha tinha, disse para ir ligeiro, entendi que se eu fosse, o propósito de dar o recado e voltar, poderia ganhar outras finalidades.

Mesmo com penúria Mantive firme.

— Ouviu, zezinho, titia não quer que eu vá.

— Ela não disse isso

— Disse, você que não prestou atenção.

— Vamos logo, ela nem vai vê

— Vou não, tenho medo.

— Da mamae?

— Nao zezinho, do barbado.

Zezinho dirigiu se rente a cerca,  abriu a porteira  pegou a peconha, viu as cabras deitada no sobreado da mangueira, a preocupação era barbado que costumava cabecear quem passasse por ali. Zezinho o viu trepado feito gente em uma Ingazeira de frutos verdes, mesmo com o caminho livre, não quiz arriscar, apressado largou distância e nem se lembrou de colocar o consorte de varas no arame. Laçou entre os dedos a coroa de cipó, e avançou ligeiro, na medida que a coroa ganhava velocidade na dupla de dedos, ele saltitava cantarolando..

Eu sem mediação, voltei a casa e fiquei sentado com as pernas soutas na varanda.

Nem bem zezinho sumiu no caminho irregular do campo, o bobe barbado soltou o galho e veio em disparada rumo a casa de farinha. E só parou porque viu os péssimos dos malabas no terreiro, Ante a entrada principal da casa de farinha. O toque de bola foi interrompido mediante o olhar tênue do bichano. Encarou a todos, queria brigar.

os filhos do valdivino viviam de atazanar os animais. Porem tinham medo de encarar o coisa ruim.

Malabim que não era nada fácil, desafiou o irmão pelado a montar na fera.

— Duvido, pelado tu motar..

— Tu me da cobertura?

Pelado pediu a malabim para distrair barbado enquanto ele por trás tentava montar o animal,

enquanto malabim fazia munganga na frente do bode, Pelado sorrateiramente por trás  pulou no bicho, o segurou pelos chifres, de imediato malabim pegou a bola e arremessou no traseiro do animal, que para se livrar da carga deu um solavanco em direção  a casa de Farinha deixando pelado no chão, enquando pelado resmungava sua dor,  barbado saiu cabeceando o que encontrava pela frente,  o animal deu azar, deu com as fuças em um lencou no varal que tia madá tinha estendidos mais cedo.

Zefinha deu o alarme.

— Meu Jesus Cristinho, Barbado tá solto

— Vala me Deus,  ele tá vindo

Completou Benzalina.

A correria foi medonha.

O bichano, agora parecia um fantasma correndo em zigzague até consenguir se livrar do manto e avistar outro alvo,

Tia madá vestida de vermelho escarlate, nao atentou o perigo. Enquanto todos correram ela continuou ajeitando a massa na prença quando foi surpreendida com uma cabeçada no vazio, a pobre despencou seus mais de  130 quilos ao chão, caiu desacordada com parte do corpo sobre o madeiro da prensa.

— Acode a velha gritou benzalina,

Tia Madá não era uma velha, mas a lida no campo a fazia  acumular os anos que não eram dela.

enquando todos davam atenção a madá, eu continuei ali no meu canto junto a escada da casa, agora atonito por tamanho incidente, mas atento, acompanhava a parte e vi quando barbado sossegou em uma possa do lado oposto da prença onde bebia o tucupi que pingava dos mourãos da prença,  eu até podia livrar o bode da maldição mas tive medo de ser destroçado pela fera.

Tia mada nem se mechia Tentaram reanimá-la, mais nada. Tentaram carregá-la, dois homens de um lado e dois de outro, aqueles bruta montes acostumados a carregar saca de farinha de 60 litos no limo, não conseguiram colocar tia mada em  um bom lugar.

— Vão chamar dona darlinda para rezar nela,  induziu dona benzalina,

Foi respondida de imediato por zefinha que de tudo dava definição.

— Ela não tá, foi levar Romana na cidade, foi ter bebê.

— E ja é pra agora?

— É sim, tá só esperando

— Menina, e esse filho é mesmo do Carlinhos?

— Não é mesmo.

Com três batidas de Palmas, Alfredo dá um chega pra lá nas duas

— Ei bando de fofoqueira, a mulher morrendo aqui e vocês falando da vida dos outros. Dona benzalina pegou o abanador de palha das mãos de norato que abanava minha tia e passou a se abanar. Enquanto os outros tentavam socorrê-la a, o bode se refestelava. em quanto buscavam salvar uma pecadora, o bode bebia o vinho da sua própria condenação tal qual o texto do evangelho. O bode era promessa para o menino jesus. Já passava de 15 minutos de aflição, irmã Marta, correu para dentro da casa, pegou um exeplar empoeirado da Bíblia, abriu no salmo 91 e fervorosamente, repetidas vezes lia o texto e orava.

Enquanto Marta insistia, os de fora buscavam outros meios.

Quando todos começaram achar que a mulher ia partir dessa pra melhor.

Alfredo toma a dianteira

— Malabim arruma uma vela pra mim.

Os olhares estupefatos ensaiados voltaram se para Alfredo que amarrava uma tira de pano em volta da cabeça dele.

— Desde de quando tu é Changô?

Um motim de risos foi levantado por

Benzalina

— Vou fazer como minha mãe Zanza me ensinou. Vai que dá certo.

— Desculpa, Alfredo é que você ficou engraçado com esse pano na cabeça.

— É, vai rindo...

malabim lentamente com a vela acesa na mao, aproximou do círculo que estava formado entorno da enferma. Zefina tirou o rosário do pescoço e completou a cessão tensa de evocação e orações. Cada um ao seu modo. Eu não entendia nada do que eles falavam. Mais estranho ainda foi vê a irmã Marta se afastar do grupo. De longe ouvíamos ela brigar com o demo para que deixasse minha tia e batesse em retirada para as profundezas. Embora eu estivesse confuso, compreendia que toda intensão reunida era boa. Aproximei-me dos meus primos e compus a roda com eles. Depois de tanto guerrearem com o inimigo, vi

lentamente os olhos da titia se abrirem, e passaram a girar sem finalidade alguma até que fixou os olhos no horizonte, as silabas começaram a brotar, parecia que tinham sido prensadas junto as sacas de massa, tal a dificuldade de sair. Bo... bo..leee

— Ela tá pegando esprito

— Cala boga zezinho!

— É sim diquinho,

eu mais proximo ainda, resolvi atentar para o que ela falava,

O bo.., o boole, o bode

Até que ela conseguiu falar...

— O bode

— O bode, repetiram, todos

os olhos dos presentes se voltaram para o bode que agonizava a menos de 10 metros.

E ali mesmo no chão os presentes deixaram a paciente que teve de levantar sozinha, a preocupação a partir de então era outra. Temiam que que o menino jesus passasse o Natal sem o bode.