ÚLTIMO ADEUS
Em nossas vidas nada acontece por acaso, talvez possa ser apenas uma coincidência do destino, mas não temos o poder ou a permissão para decifrar o que iremos encontrar no futuro, não nos foi revelado o conteúdo de suas páginas, apenas deveremos seguir um roteiro previamente determinado e viver cada dia como se fosse o último, pois não sabemos quando à nossa missão terminará.
A Dinamarca é um dos países mais visitado da Europa, conhecido pelas suas belezas naturais e históricas. Nossa aventura começa na belíssima cidade marítima dinamarquesa de Skagen, situada no extremo norte da ilha de Vendsyssel, na parte mais setentrional da península da Jutlândia, possui lindas praias de águas claras e areias brancas. Onde os dois mares, Norte e Báltico se encontram.
Parecia que o tempo não havia passado, Arne Ankar, 55 anos, corpo atlético, cabelos louros como os raios do sol, artista plástico renomado em todo continente Europeu, estava ali estático, contemplando a exuberante beleza da Ponta de Grenen, ponto de partida para se velejar com destino às encantadoras ilhas em alto mar. Foi ali que à sua vida se transformou por completo, já tinham transcorridos 15 anos desde o trágico acontecimento que dilacerou o seu coração para sempre. Desde então ele nunca mais conseguiu ser o mesmo de antigamente, embora deixando a sua cidade natal, Copenhague, e partindo para residir em Estocolmo, Suécia, o fez superar o trauma que se instalou em sua vida.
21 de julho do ano de 2007, era uma manhã deslumbrante de verão, o sol derramava seus cachos dourados sobre as águas turmalinas daquele mar, que tanto o fascinava, o desafiava a velejar até as ilhas Faroés, na companhia de sua amada esposa, Sanne Eliasen e sua filha Helle Eliasen, era um sonho antigo que estava prestes a se realizar. Era algo sobrenatural navegar naquelas ondas multicores que se formavam com as suas místicas caricaturas. Soprava uma maviosa brisa litorânea, a luxuosa lancha, marca, Azimut 83 Yachs, design italiano, que foi batizada por Arne, com o nome, de Abode of Swans (morada dos Cisnes), parecia deslizar em um tapete azul. Tudo era maravilhoso, a sintonia com a natureza; o coral das aves marinhas entoando a canção da liberdade em seu voo livre, conduzia o barco por entre as espumas cor de marfim. Mas, toda essa quietude seria quebrada inesperadamente.
O tempo foi mudando e a temperatura foi baixando, ao longe podia se ver as nuvens cinzentas encobrindo o brilho do firmamento. E, aos poucos ia se metamorfoseando. Não demorou muito para a catástrofe desenhada se tornar real. E o desespero tomou conta daqueles que naquele momento estavam no mar. Um verdadeiro dilúvio atingiu toda a costa dinamarquesa.
Desesperado com o infortúnio do tempo, Ankar, apressou-se em colocar os coletes salva-vidas em sua esposa e sua filha, mas não deu tempo se proteger, pois logo em seguida foi levado pelas fortes ondulações. Após os pedidos de socorro emitidos por algumas barcaças que se encontravam avariadas e à deriva, apesar das condições climáticas desfavoráveis, as equipes de salvamento chegaram ao local, era um cenário desolador, algumas embarcações de maior porte, inclusive de outros países, que estavam navegando próximo ao sinistro fortuito já estavam trabalhando nos resgates. O oceano continuava agitado e chovia muito, o movimento das correntes marinhas, cada vez, mais forte era um fator preponderante que dificultava o socorro das vítimas.
Hoje, ali estava, a comtemplar a beleza daquela exuberante paisagem, linda atraente como àquela manhã de verão. Aos poucos as lembranças iam se sucedendo em sua mente; os preparativos para viagem; a ansiedade acompanhada do desejo de desbravar o incógnito, tudo parecia ser real, o vento morno volvia os seus cabelos. Foi um verdadeiro milagre não ter morrido, pois mesmo sem colete conseguiu nadar até os destroços do barco, que flutuava e pode ser salvo por um pesqueiro norueguês que auxiliava nas buscas. Foi levado para o Amager Hospital, Copenhagen, Denamark, após seis meses lutando pela sobrevivência, recebeu alta.
Então deu início a uma intensa procura pela esposa e a filha, mas sem resultado, pois não havia registros sobre elas, não tinham sido resgatadas e nem seus corpos localizados, provavelmente teriam sido arrastadas pelas correntes oceânicas, que na época eram muito violentas. Não foi fácil recomeçar, perdera o tesouro da sua vida, a sua família. Os traumas decorrentes de um acidente são os mais dolorosos, pois sempre estarão associados à dor, ao sofrimento e às perdas físicas ou materiais.
Arne Ankar, foi submetido a um intenso tratamento psicológico para retirá-lo do grave quadro de instabilidade emocional que estava acometido. E quando adormecia sonhava com Sanne e Helle, lhes tocando o rosto e dizendo, breve nos encontraremos, ao acordar o desespero tomava conta de si, pois tudo não passava de uma ilusão que sempre lhe visitava nas madrugadas. Não foi fácil a equipe médica que o atendeu no Centro de Psicologia Clínica e Psicoterapia, em Copenhague, utilizou os métodos mais avançados existentes na época, para pacientes com portadores de distúrbios ocasionados por perdas de ente familiar. Foram aplicados: Terapia Cognitiva comportamental e Hipnoterapia. Após avaliação dos psicólogos que o trataram, ele foi considerado clinicamente curado e liberado para enfrentar a dura realidade de reconstruí à sua vida.
A primeira providência que tomou foi se transferir para outro país, pois para ele não tinha como continuar residindo no mesmo lugar, onde cada recanto lhe trazia as recordações dos momentos felizes, que viveu com os seus familiares, até tentou, mas não conseguiu. Mesmo assim precisava de uma vez por todas, ter forças para enfrentar a dolorosa decisão de retornar ao lugar onde tudo aconteceu, queria contemplar novamente; toda apoteótica beleza daquele mar; a bela coreografia dos pássaros traçando as rotas imaginárias rumo ao paraíso desconhecido, onde certa vez, tudo começou e inexplicavelmente terminou ali, no meio de um verdadeiro santuário ecológico. Ele precisava recomeçar a viver esquecer as amarguras vividas, mas para isso precisava ter a coragem de retornar fazer do passado aquele momento presente e acenar para sempre num último adeus.
Era uma tarde de primavera belíssima própria do continente Europeu de temperatura amena; campos verdes; árvores e flores florescendo deixando a paisagem mais iluminada. Havia chegado a hora da partida, Arne Ankar, contemplou a beleza do sol declinando no horizonte; e as lágrimas inundaram o seu rosto. Nunca mais voltaria aquele local que tanto lhe marcou .
Quando já estava saindo, foi acometido por uma sensação estranha, que até então nunca tinha experimentado, ouviu vozes que lhe eram peculiares, mais não deu muito atenção, pois essa não era a primeira vez que tal fato acontecia. Olho em volta e foi então que percebeu, não era sonho eram imagens verdadeiras, ali estavam, Sanne e Helle. Não se lembra de mais nada, pois desmaiou. Foi levado as pressas para o Hospital de Pronto Socorro, Teres Hospitalet Parken. Onde foi submetido a uma bateria de exames e foi diagnosticado que ele tinha sofrido um enfarto Tipo 2, ocasionado por uma diminuição da irrigação sanguínea no músculo cardíaco decorrente de eventos graves: crises hipertensivas; pressão baixa e arritmia.
Quando despertou estava no CTI, Centro de Terapia Intensiva, não entendeu o porquê de estar ali, foi então que perguntou ao Dr. Brandi Backer, Cirurgião Cardiovascular, que estava ao seu lado −, o que aconteceu? – Que lugar é esse? Foi então que o médico lhe explicou −, o Senhor teve um infarto do miocárdio, não se preocupe, pois está fora de perigo −, mais quem me socorreu perguntou, Arne Ankar? − Infelizmente essa informação eu não tenho, só o setor administrativo pode lhe responder. Somente foram autorizadas às visitas após 72 horas.
Os dias e noites foram passando lentamente, finalmente Arne poderia receber visitas, mas quem iria visitá-lo, não conhecia mais ninguém naquela cidade. Foi então, que novamente apareceu o Dr. Brandi. − Senhor Ankar, temos visitas especiais, mas, tem de me prometer que não vai se emocionar? – Prometo, no pensamento de Arne, poderia ser as pessoas que tinham lhe socorrido para o hospital e não seria nada relevante.
A porta do quarto se abriu e ele empalideceu, balbuciou algumas palavras que ninguém entendeu, as lagrimas fluíram abundantemente em sua face, ali estavam elas, tal como as via em seus sonhos, Sanne Eliasen e Helle Eliasen, elas se aproximaram chorando muito. Sanne foi a primeira a falar – amor se acalme não se emocione, pois não é bom para você, em seguida, foi a vez Helle – pai, estamos aqui é verdade acredite.
Arne Ankar recebeu alta e foi para o Radisson Collection Royal Hotel, Copenhagen, considerado o melhor da cidade, onde já se encontravam hospedadas à sua esposa e filha. E a história fantástica que ambos desconheciam foi relatada. Sanne e Helle Eliasen, naquela triste tarde, lutavam desesperadas para se salvarem, agarradas a uma das partes de um dos barcos naufragados, como estavam de coletes, tentavam de todas as maneiras permanecerem juntas, quando já não tinham mais forças; aconteceu o inesperado. Um navio cruzeiro que navegava na costa dinamarquesa com destino a Lá Coruña, na Espanha, as recolheu e por coincidência do destino, Sanne, tinha familiares residindo na localidade espanhola.
Várias foram as tentativas de receberem notícias de Ankar, sem sucesso, pois as autoridades dinamarquesas, davam conta que ele não tinha sido localizado e que provavelmente teria perecido com os demais que não conseguiram sobreviver. Os anos iam se sucedendo, foi então que elas decidiram viajar a Dinamarca, para darem um último adeus, exatamente ao fazer 15 anos do fatidico acidente. Mas os propósitos divinos estão além da nossa capacidade de aceitar os fatos que acontecem em nossas vidas, sem nenhuma explicação lógica.
NOTA DO AUTOR: Esta é uma obra de pura ficção qualquer semelhança é mera coincidência.
Autor – José Valdomiro Silva