Minha Primeira Maçã
Minha Primeira maçã
Tinha eu uns ⅞ anos quando esse episódio aconteceu, na primavera de 1967, eu me divertia sozinho em casa, enquanto meus irmãos estavam na escola, eu subia no muro e ficava observando as pipas que os meninos empinavam e claro esperando que uma caísse em meu quintal.
Em um desses dias normais em minha vida de menino, observei uma cena inusitada, a vizinha, dona Rosa, tinha acabado de chegar do mercado e eu a observava carregando várias bolsas cheias de mantimentos, frutas, legumes, uma variedade de coisas gostosas.
Eu era de uma família muito pobre, aliás a palavra pobre era uma música para meus ouvidos, pois na verdade eu e minha família, mal comparando era como, um daqueles personagens que desce de um morro pendurado em uma corda segurando com os pés e com as mãos, ou seja, ficava debaixo da corda, assim era a minha família, a corda era a pobreza e nós sempre estávamos debaixo da corda, ou seja abaixo da linha da pobreza.
Voltando ao episódio da dona rosa, eu percebi que ela jogou no quintal uma linda maçã, e meu coração acelerou quase saindo pela minha boca, imagina só, eu com menos de 8 anos e já se apresentou diante de mim uma chance como aquela, ter minha primeira maçã, durante o meu tempo de vida até ali, já tinha ouvido falar dessa fruta e cheguei a ver algumas vezes na quitanda, mas daí até ter a minha própria maçã, nunca imaginei tal coisa.
Mas vocês podem estar se perguntando, de qual maçã ele está falando, afinal a dona Rosa não deu nenhuma maçã pra ele, ham, ham, mas, eu não sou do tipo de pessoa que Deus dá um mole desses, Deus sabe muito bem que eu gosto de conquistar as coisas, não desejo ganhar, vou buscar. E assim esse menino de quase 8 anos estava maravilhado com a possibilidade de conquistar sua primeira maçã, seria um feito incrível e ainda não tinha feito 8 anos.
Bem, vamos parar de conjecturas e vamos as vias de fato, afinal a tarefa não seria assim tão fácil, teria de estudar o terreno, o tempo entre um acontecimento e outro, para conseguir calcular todo o tempo da empreitada, vamos aos cálculos,
Em primeiro lugar tinha de ter paciência e não desistir caso o evento demorasse muito, pois tinha de calcular muito bem o tempo ou os tempos que dona rosa levava para entrar e sair da cozinha e ia para o quintal, e quando ela fazia compras, fazia esse trajeto várias vezes, às vezes entrava e saia rápido, outras vezes demorava um pouco mais, dependendo do que ela trazia para fora isso acontecia mais vezes.
Na verdade eu torcia para naquele dia ela ter poucas coisas para jogar fora, é que ela aproveitava que fez compras para limpar a geladeira e os armários, e isso tomava um bom tempo, e algumas vezes varria o quintal e jogava na lixeira tudo o que tinha jogado no chão do quintal, ou seja eu corria o risco de perder a minha tão desejada maçã.
Mas um estrategista, não pode pensar no pior, deve pensar positivo que o resultado vem, e voltei ao meu posto de observação, notei que ela vinha no quintal de tempos em tempos, e aos poucos esses tempos iam ficando mais escassos, mas de repente lá vinha ela, teria de planejar tudo muito bem planejado, tinha de calcular, todos os tempos para não ser pego com a mão na botija, ou seja, teria de descer do muro, correr até a maçã, fazer a volta e já pegando a mesma e correndo de volta já no impulso de subir no muro novamente.
Veja que não era uma tarefa fácil, principalmente para um menino de menos de 8 anos, mas o prêmio valia a pena, fiquei ali um pouco mais, observando os movimentos de dona Rosa, até que finalmente senti que os tempos estavam agora a meu favor, respirei fundo e lá fui eu para a minha primeira conquista nessa vida, uma maçã só minha.
Parece que os deuses estavam conspirando a meu favor, pois tudo estava saindo como o planejado, desci do muro, corri como nunca até a maçã, peguei e já fiz a curva de volta, acelerei e dei um salto e agarrei o muro com o coração quase saindo pela boca, nem pensei duas vezes, de cima do muro pulei para meu quintal, fui tão rápido que dona Rosa nem ouviu nada, fiquei ali no chão com a maçã na mão, curtindo meu prêmio, era só morder e saborear a minha primeira maçã.
Depois que me acalmei, sentei no chão e me preparei para meu banquete, estava muito feliz, nunca pensei que esse dia chegaria assim tão cedo, antes dos 8 anos. Bem vamos ao que interessa, foi aí que eu olhei com mais atenção para meu prêmio, na emoção, não percebi que uma parte da maçã, estava podre, afinal quem eu pensava que era, uma maçã inteira só pra mim, tava de brincadeira, minha realidade não era aquela do sonho, aquilo era uma utopia.
Minha realidade, era nunca ter uma maçã, mas eu me senti um vitorioso mesmo assim, pois afinal eu consegui meia maçã, para um garoto que vivia abaixo da linha da miséria, já era um grande feito, e também entendi que nada seria fácil em minha vida, teria de lutar muito para conseguir um pouco do muito que queria, sai daquela experiência bem mais forte do que entrei, e jurei pra mim mesmo que nunca desistiria, que iria até o fim, mesmo que só conseguisse metade do meu sonho.
J C Gomes