Carga perigosa
Teppo, que estava no cesto da gávea por sua visão aguçada, foi quem primeiro avistou a embarcação distante contra o verde esmeraldino do mar.
- Vela à estibordo! - Gritou para o convés.
O capitão Kaleva, que estava ao lado do timoneiro Auvo, gritou de volta:
- Amigo ou inimigo?
- Ainda tá muito longe, capitão! Mas se não mudar de curso, vai nos interceptar!
- Inimigo! - Exclamou Kaleva, dando um murro na mão.
E virando-se para um grumete que lavava o tombadilho:
- Vá chamar o imediato!
Jasper Nurmi, o imediato, era um homem afeito a navegar nas águas do Mar Esmeralda, diferentemente do capitão, que viera do norte para comandar aquela missão em território hostil; missão, que até o presente momento, fora coroada de êxito.
- Capitão? - Indagou Nurmi, apresentando-se ao comandante.
- Teppo avisou que temos companhia a estibordo, ainda muito longe para determinar de quem se trata; mas o curso parece ser de interceptação. Acha que fomos seguidos?
- Pouco provável - redarguiu Nurmi, mão no queixo. - Eu confiaria na rapidez do nosso barco, mas não sabemos o que estamos enfrentando e não é seguro arriscar.
Kaleva olhou para o alto do mastro e gritou:
- Teppo! Alguma indicação de quem se trata?
- Dois mastros, capitão! A todo pano!
- As forças de Honkanen não usariam um barco tão pequeno para nos interceptar - avaliou Nurmi. - Mais provável que se trate de um pirata.
- Temos condições de enfrentar um pirata, mas isso vai nos atrasar - ponderou o capitão. - Vamos manter o curso para as ilhas Siunattuja.
Meia hora depois, Teppo gritou que estava vendo outra vela, desta vez a bombordo. A estratégia de quem quer que fosse que estivesse no encalço do "Merihaukka" agora ficara clara.
- É uma abordagem em pinça - prognosticou o capitão. - De alguma forma, devem estar sabendo da nossa carga!
As embarcações desconhecidas também pareciam ser mais velozes do que o barco de Kaleva; era só uma questão de tempo para que fossem interceptados.
- Quando a noite cair, vamos ficar em séria desvantagem, capitão - alertou o imediato. - Melhor atacar agora com o que temos.
- Não temos condições de resistir a um ataque conjunto - replicou Kaleva, coçando a cabeça.
- Se usarmos nossa carga, as chances aumentam exponencialmente - ponderou Nurmi.
Kaleva encarou-o com a testa franzida.
- A carga vai nos matar se lhe dermos a menor possibilidade de usar os seus poderes - redarguiu.
- Não se lhe prometermos a liberdade depois que nos ajudar - sugeriu o imediato.
- Uma promessa? - Kaleva ergueu os sobrolhos.
- Não é para valer - afirmou Nurmi. - É só tapar os ouvidos com cera e os poderes da carga estarão anulados. Os piratas não irão imaginar que ela está livre e se jogarão no mar quando ouvirem seu canto.
- Pode funcionar - ponderou o capitão, cofiando a barba rala. - Bom, não temos muitas alternativas; vá falar com ela.
Nurmi desceu até o porão, onde a carga estava sendo mantida, amordaçada e acorrentada num grande tanque de água do mar. Ela arregalou os olhos verdes ao vê-lo, furiosa.
- Precisamos que nos ajude - disse Nurmi, erguendo as mãos num gesto apaziguador. - Há piratas se aproximando e precisamos que os atraia para as profundezas. Se prometer fazer isso, retiro a sua mordaça e depois que o perigo houver passado, nós a libertaremos.
Os olhos da prisioneira estreitaram-se. Parecia estar avaliando a proposta. Finalmente, balançou afirmativamente a cabeça.
- Ótimo! - Exultou Nurmi.
* * *
A noite caíra, e os piratas aproximavam-se céleres do "Merihaukka" por ambos os lados. Levada à proa do navio ainda acorrentada, a mordaça da prisioneira foi finalmente retirada, todos os homens a bordo tendo previamente tapado seus ouvidos com cera.
E então, ela cantou. Uma canção que era mais do que um incitamento à morte, mas um pedido de socorro que atingia as próprias profundezas das águas escuras abaixo deles. Os piratas não tiveram muita chance contra o lamento enfeitiçado, e começaram a pular de seus barcos antes de compreender o que estavam fazendo e o porquê. Os tripulantes do "Merihaukka" assistiram a tudo com gritos de contentamento, que logo se converteram em gritos de horror.
Pois que das profundezas abaixo deles, dezenas, centenas de criaturas como a que haviam aprisionado, subiam à superfície e começaram a escalar os costados da embarcação. Os marujos, ouvidos tapados, foram atirados sem grande cerimônia ao mar.
E por último, a prisioneira foi libertada e juntou-se aos da sua espécie, desaparecendo sob as ondas do Mar Esmeralda. Quanto aos três navios, agora sem tripulantes, continuaram a seguir seu rumo para as ilhas Siunattuja, onde chegaram sem que os locais conseguissem atinar que terrível catástrofe se abatera sobre as equipagens.
Mas, em se tratando do Mar Esmeralda, do qual muitas histórias assustadoras se contam, nada era de estranhar...
- [05-08-2022]