VIAJANDO PELO INTERIOR DO CONGO (parte 2)
VIAJANDO PELO INTERIOR DO CONGO – Parte 2
Marcial Salaverry
Após as peripécias para chegar até Bulungu, restava a etapa final da viagem, ou seja Bulungu/Kikwit, e depois a chegada a Bandundu, final da viagem... Ufa!!!
A saída de Bulungu foi épica. Meus amigos portugueses só me deixaram sair após o almoço. Considerando que deveria enfrentar pelo menos 6 sacolejantes horas de estrada (82 km), o almoço foi o mais adequado possível, ou seja, comida bem leve para não dar problemas no caminho. Vocês conhecem a feijoada? Pois é, uma versão portuguesa de nossa feijoada, com tudo aquilo que um dia pertenceu a um saudável porquinho vivo, só que, ao invés de feijão preto, feita com feijão branco. E regado a vinho tinto. Calculem em que condições comecei a enfrentar a estrada... A feijoada por diversas vezes tentou sair, mas heroicamente consegui segurá-la, pois seria um desperdício. Tava bem gostosa...
Para meu alívio, havia uma travessia de “bac” , ou seja, um arremedo de balsa para atravessar um afluente do Rio Congo. Tentarei descrever. Havia uma corrente atravessando o rio de lado a lado. O “bac” estava preso a um gancho, e dois congoleses iam puxando por esse gancho. Foi a primeira balsa movida a “chikwanga” que conheci. As condições da balsa eram as mais precárias possíveis, as toscas tábuas estalavam a cada puxada. A todo instante, eu esperava que aquilo tudo arrebentasse e fosse literalmente por água abaixo. Há que se notar que passeando candidamente, haviam uns poucos crocodilos naquele rio. Juro que cheguei a ver um deles lambendo os beiços quando olhava para mim.
Bem, o importante, é que chegamos sãos e salvos do outro lado, e pudemos prosseguir viagem rumo a Kikwit. A meio caminho, aconteceu um imprevisto. Desabou um daqueles torós de verão, que deixou a precária estradinha, em condições deploráveis. E o jipe passou a ter vontade própria e a deslizar doidamente naquele barro vermelho. E se eu já estava apavorado, mais fiquei quando chegamos a um barranco. A descida tinha a largura justa das rodas do jipe, que teria que colaborar, pois se derrapasse para a esquerda, cairia numa valeta da qual não sairíamos nunca, e se derrapasse para a direita, despencaríamos na ribanceira. Muito interessantes essas perspectivas... Precavidamente, desci do jipe para, segundo aleguei ao Alexander, melhor orientá-lo do lado de fora. Minha real intenção era estar fora do veículo, caso ele resolvesse derrapar. Após 30 terríveis minutos, e graças às minhas orientações externas, Alexander conseguiu passar pelo barranco, e pudemos retomar a viagem para Kikwit, que parecia estar cada vez mais longe. Finalmente chegamos e mais uma vez errei em minhas previsões. Tinha calculado a viagem em 6 horas, mas “só’ levei 9 horas. Ainda mais, cheguei coberto de barro, da cabeça aos pés.
Em Kikwit, cidade um pouco maior, deveria ficar 3 ou 4 dias lá, o que cumpri com a maior das alegrias. Como não existiam hotéis, os vendedores sempre ficavam hospedados na casa dos comerciantes, o que deveria sempre ser agendado com antecedência, pois, para não ferir suscetibilidades, deveríamos sempre visitar todos, almoçando na casa de um, jantando na casa de outro, tomando o café da manhã e dormindo na casa de outro, e anotar bem o revezamento para a viagem seguinte.
Após essa maratona social, a parte final, de Kikwit a Bandundu. Fui informado de que haveria a travessia do Rio Congo. Lembrei-me da balsa anterior e perguntei se essa seria melhor. A resposta tranquilizou-me, mas não muito. Enfim, seria ver para crer.
As condições da estrada, para variar, eram precaríssimas. Positivamente, a suspensão daquele Land Rover era qualquer coisa de especial, para aguentar aquele sacolejo todo, carregado do jeito que estava. Finalmente chegamos à tão temida travessia do Rio Congo. Realmente aquela balsa era bem melhor do que a outra, o que não representava vantagem nenhuma, em termos de segurança. Ao tentarmos entrar na balsa, o condutor limitou-se a levantar os olhos de sua modorra, limitando-se a dizer: não podemos atravessar agora. Perguntei quando seria a travessia. Ele deu de ombros, dizendo não saber. Já começava a me irritar com aquela displicência, quando Alexander, conhecedor do povo da região, fez-me um sinal e assumiu as negociações. Depois de um certo tempo, Alexander disse que o problema era que ele não tinha gasolina para a travessia. Nós tínhamos gasolina de reserva. Problema resolvido. Resolvido? Que nada. O homem não se mexia. Alexander voltou à carga. O cara estava com fome. Demos comida. Agora vamos? Faltam as forças. Demos cerveja, quente mesmo. Pronto? Quase... ainda faltava a instituição nacional congolesa. Uma “molhadinha” na mão.
Após resolvermos a situação, a parte mais crítica, colocar o jipe em cima da balsa. Depois, a grande aventura. O motor da balsa insistia, resfolegava, querendo subir o rio. Só que a correnteza era ao contrário. Quem venceria a batalha? Os crocodilos dentro do rio estavam na torcida. Se fosse uma balsa de verdade, seria uma travessia para no máximo 30 minutos. Levamos “só” 2 horas. Mas chegamos. Mais um dia de regime para os crocodilos...
Após a visita aos comerciantes da cidade, teria que pensar na viagem de volta, em passar por tudo aquilo novamente. De todos os problemas passados na vinda, o único que talvez não encontraria, seria meu amiguinho elefante... Talvez. Bem, chegaremos lá. E nessa expectativa desfrutei de UM LINDO DIA, ainda vivo, e distante dos crocodilos...