VIAJANDO PELO INTERIOR DO CONGO (parte 1)
Eram assim as aldeias que encontrava nas viagens pelo
interior do Congo...Não eram exatamente amistosos...
Sempre é bom poder reviver, pois é sinal de que sobrevivi a tudo...
Ósculos e amplexos,
Marcial
VIAJANDO PELO INTERIOR DO CONGO
Marcial Salaverry
Cumprindo minhas funções de vendedor-viajante, tive oportunidade de conhecer grande parte do interior desse complexo país, que é o Congo. Vivi algumas aventuras que, se vistas em filmes, qualquer um diria: “Ah! Esses americanos inventam cada uma...”. Todavia, foram reais, e bem reais. Vividas ao vivo e a cores. À medida que me forem vindo à lembrança, conta-las-ei.
A primeira vez, ninguém esquece. Com a primeira viagem ocorreu o mesmo, pois logicamente foi cercada de muita expectativa. Na véspera, fui apresentado àqueles que seriam meus companheiros quase inseparáveis: o Jeep Land Rover, e Alexander Gaiseng o motorista, mecânico, guia, espantador de feras, colhedor de frutas. Enfim, o pau para toda obra da viagem, um congolês simpático e sorridente, que não se cansava de mostrar seus dentes. Como não falava português, entendiamo-nos em francês. Ficamos combinados: ele me ensinava o lingala, e eu lhe ensinava o português. Devidamente acertados quanto a questões linguisticas, aprontamo-nos para a viagem, que seria Kinshasa/Kenge/Masi Manimba/Bulungu/Kikwit/Bandundu/ Kinshasa. Não fazia a mínima idéia do que ia encontrar pelo caminho.
Como a firma para a qual trabalhava operava com toda gama de mercadorias, tivemos que lotar o bagageiro do jipe com todos os produtos, acondicionados em uma espécie de baús, chamados de mal-en-fer. Tinha de tudo, desde lingerie fina francesa, até panelas, artigos de alimentação (enlatados), enfim de quase tudo que se possa imaginar.
Já estando informado da precariedade de condições das estradas que enfrentaria, e que não havia nada, absolutamente nada que se poderia chamar de recursos, muni-me de galões de gasolina de reserva e de um farnel razoável para enfrentar as possíveis agruras. Acreditava que os colegas haviam tentado me assustar, pois a coisa não poderia ser tão feia assim. Pois bem, logo constatei que não haviam contado tudo o que me poderia acontecer.
Primeira etapa: KINSHASA/KENGE – 68 km. Moleza, pensei, coisa para no máximo, 2 horas. Com essa idéia otimista, empreendemos viagem às 6 hs... contava chegar às 8 no Kenge, visitar o cliente, seguir para Masi Manimba, onde almoçaria, e poderia descansar um pouco. Ah!!! Se eu soubesse o que me esperava... Nos primeiros 20 km foi tremenda beleza, estrada asfaltada, o jipão rodava lindo, leve e solto. Para matar as saudades do Brasil, ia ouvindo fitas de Jair Rodrigues, Wilson Simonal, etc. De repente, o primeiro solavanco, indicando que a moleza havia terminado. Havia chegado ao fim do asfalto, e o começo do que seria uma realidade congolesa, ou seja, o princípio do começo do drama. Entramos em uma estrada de terra, que mais parecia paisagem lunar... Tinha toda espécie de buracos, dos menores, até as mais incríveis crateras... Pobre Alexander, tinha que fazer milagres para continuar dirigindo. Aqueles 49 km. restantes “só” levaram 5 hs. para serem percorridos. Realmente, não havia nada, além dos buracos, nessa estrada. Sem falar na curiosidade natural dos macaquinhos que adoravam fazer macaquices na frente do jipe, e em cima dele.
No Kenge, alojei-me na casa do Castro, que era o comerciante local. E tive uma das boas lições de vida. Lá cheguei por volta das 16 hs, morrendo de fome, e o amigo me apresentou a um lindo prato de fígado frito com batatas (toda minha vida detestei fígado, mas aquele estava um autentico néctar dos deuses). Aprendi que o melhor cozinheiro do mundo, se chama :Apetite.
A 2ª etapa, entre Kenge e Masi Manimba, ficou para o dia seguinte, pois seria a mais rematada loucura tentar cumprir essa etapa no fim da tarde. Minhas otimistas previsões já tinham ido para o vinagre. Essa parte correu dentro da normalidade congolesa... Uma viagem de 15 quilômetros, vencida em apenas 3 horas... Tudo normal. Mas resolvi continuar a viagem no dia seguinte...
A 3ª etapa, entre Masi/Bulungu foi épica. Como eu já estava me acostumando com a realidade congolesa, mandei as previsões às favas. Saímos de Masi pela manhã, para percorrer 6l km. até Bulungu, com chegada prevista para quando Deus quisesse. Ainda bem que peguei a estrada com esse pensamento. Após percorrermos alguns km., percebermos uma enorme massa cinzenta à nossa frente. Alexander freou o carro, arregalou os olhos, balbuciando algo incompreensível. Em meio à neblina matinal, pude perceber o que era a massa cinzenta. Nada mais nada menos que um enorme elefante. Lembrei-me de nosso poeta: “No meio do caminho tinha uma pedra... tinha uma pedra no meio do caminho”. Só que era algo um pouco maior que uma pedra... Era um ELEFANTE, um enorme elefante. Diferentes dos dóceis elefantes indianos que existem em nossos circos, os elefantes africanos são incrivelmente mal humorados e violentos. Para sorte nossa, esse simpático bichinho estava descansando. E, para não irritá-lo, ficamos quietinhos, aguardando que ele resolvesse desimpedir o caminho, e haja paciência, as horas passavam, a fome aumentava, sem falar que havia outras coisas que precisávamos fazer, que teriam que ser feitas fora do jipe. Mas quem se atrevia a descer? Finalmente nosso querido amigo resolveu mexer seu corpanzil e, rebolando sensualmente entrou na mata... Ufa!!! Foi um alívio para dois alegres jipeiros.
Devido a esse “pequeno” incidente, chegamos à noitinha em Bulungu. Os comerciantes que já haviam sido avisados de nossa chegada, estavam preocupados com a demora. Contando o probleminha, demos muitas risadas, analisando o que poderia ter ocorrido se o elefante tivesse resolvido caminhar na direção do jipe. Fatalmente teria sido uma catástrofe, sem dúvida, pois não teria difícil para o “inocente animalzinho” tirar o jipe do caminho, jogando-o à distancia...
A etapa final da viagem, merece considerações mais detalhadas... aguardem. E enquanto esperamos, vamos desfrutar de UM LINDO DIA, como foram alguns dos vividos nessa viagem...