Love Power
A primeira vez que vi Ampania, ela estava saindo da floresta, galopando em minha direção com um dardo nas mãos, o capacete empenachado e a armadura de bronze que lhe cobria o torso refulgindo à luz do sol poente. O que pretendia fazer com o dardo, não era difícil de prever.
- Espere! - Gritei em centáureo, erguendo os braços, mãos abertas. - Venho em paz!
Ampania mudou a trajetória, de uma linha reta para uma curva, que passaria bem por trás de mim. Eu corria risco de vida, pois nada garantia que ela não fosse me acertar com o dardo pelas costas, mas não podia demonstrar medo ou insegurança. A minha esperança é que fosse verdadeira a crença disseminada, de que as centauras eram menos hostis em relação a humanos se estes humanos fossem mulheres, meu caso.
- Onde aprendeu centáureo? - Indagou Ampania aproximando-se de mim num trote pela direita, ainda com o dardo em riste, mas aparentemente com disposição para ouvir.
- Meu pai, Wolstan Power, me ensinou o idioma; ele foi aluno de Yorgam, o Velho - redargui sem me voltar e mantendo a mesma postura.
- Um humano, aluno de Yorgam? - Indagou ela em tom retórico, passando ao meu lado antes de posicionar-se à minha frente.
- Meu pai acolheu Yorgam entre os Blacknall, o meu clã - respondi mesmo assim.
- Pode baixar os braços - disse Ampania, me olhando de cima a baixo com curiosidade. Retribuí o olhar, até porque, os poucos centauros que eu pudera ver de perto em minha curta vida, eram todos machos. As partes visíveis do torso humano de Ampania estavam queimados de sol e seu cabelo, amarrado numa trança, era castanho. O corpo de cavalo também era de um castanho luzidio, com as pernas abaixo dos joelhos contrastando em pelo branco.
- Você obviamente não é uma guerreira, - declarou Ampania - mas tampouco parece ser uma aventureira, muito menos uma camponesa. Quem é você, afinal?
- Sou Love Power, dos Blacknall, - redargui fazendo uma vênia - aprendiz de magistra.
Ampania ergueu os sobrolhos.
- E como chegou aqui, nas terras dos Marchogion?
Fiz uma careta. Os acontecimentos dos últimos dias ainda estavam vívidos na minha mente.
- A caravana da qual eu fazia parte, foi atacada por salteadores quando estávamos acampados à margem da estrada para Loméria; consegui escapar porque havia ido recolher água no riacho, e ouvi os gritos...
- Imagino que deva ter usado seus conhecimentos de magistra para evitar ser localizada pelos bandidos - inferiu Ampania.
Abri as mãos, como quem pede desculpas.
- Ainda não sou formada, nobre marchoges. Mas sim, usei as técnicas de sobrevivência ensinadas a todos os Blacknall para me esconder na floresta e sobreviver pelos últimos dois dias, enquanto tentava chegar à Loméria pelo caminho mais curto...
- Através das terras dos Marchogion - a sombra de um sorriso cruzou os lábios de Anpania. - Me pergunto se você é imprudente ou corajosa, menina. Não sabe que o meu povo não costuma receber com flores os humanos que cruzam o nosso território?
- Contava que ao menos, como filha de um discípulo de Yorgam, o Velho, me dessem um tratamento melhor do que eu receberia nas mãos dos salteadores - ponderei.
Ampania fez um gesto de cabeça, sua cauda amarrada com laços de couro abanando lentamente, de um lado para o outro.
- Não estou tão certa disso, tenho que admitir; meus concidadãos não são exatamente conhecidos por seu... cavalheirismo... com fêmeas humanas. Mas hoje é o seu dia de sorte: você encontrou a mim, Ampania dos Marchogion, e eu a levarei até nossa vila mais próxima, onde seu destino será decidido.
Eu não sabia se a parte onde ela falara em destino me agradava, mas que opções teria eu naquela situação?
- Farei conforme lhe aprouver, nobre marchoges - afirmou.
Ela me estendeu a mão, e não com o intuito de me cumprimentar:
- Já montou em pelo? Não? Bom, para tudo há uma primeira vez.
E me puxou para cima do seu lombo quente que cheirava a cavalo e sândalo, onde me equilibrei segurando em seus ombros largos.
- Não é todo dia que dou carona a um humano - declarou com uma ponta de ironia. - Mas não vá se acostumando com isso, Love Power.
E com estas palavras, entramos na floresta, tomando o rumo de onde ela havia vindo.
- [Continua]
- [09-07-2022]