RÔMULO E MARIETA

RÔMULO E MARIETA

Nunca entendi porque temos que datar nossos contos, indicar a época -- "descrevê-la" como se lá tivéssemos vivido -- e falar cobre roupas, móveis, cidades, castelos. Autores antigos como Machado de Assis e José de Alencar esmeravam-se nos detalhes, nas minúcias do vestuário dos seus personagens, da sala onde se encontravam, do céu sobre êles. Ora, tenham a santa paciência !

Esta estória sucedeu em algum lugar da Europa, no verão ou primavera -- no restante do tempo reina a neve -- e talvez, quem sabe, num período entre 1700 e 1880 e tanto,à escolha do leitor, se leitor eu tiver. Na relva da campina, sentados sobre toalha com cesta de pães e bolos, mais vinho barato -- todos o eram, havia videiras no país inteiro -- os dois amigos conversavam... eu era um deles ! (-- "Dá licença, leitor... a estória é minha, cáspite" !) (*1) Dizia eu ao amigo, empolgado por ter virado escritor da noite pro dia:

-- "Mon cher ami, Paul... (em Francês soa mais elegante !) essa tua história já foi escrita, chama-se 'Romeu e Julieta". Dizem ser do famoso "Sheik Spirra", um ingl~es que, segundo outros, nem existiu. Você está "atrasado" uns 3 séculos, isso foi lá por 1300 e pouco" !

Paul Reboux era teimoso -- além de francês -- e insistiu:

-- "Mas, admita, meu caro Celsius, a ideía do remédio que a faz parecer morta é engenhosa. Tirei da fábula da Branca de Neve, aquela da maçã envenenada, que o beijo do príncipe faz despertar" !

-- "Isso também está no livro... um franciscano amigo da moça lhe dá a tal poção ! MUDE TUDO, o que você produziu foi um plágio, desde o título, vais parecer ridículo" !

Paul era teimoso (já escrevi isso ?!) mas não queria passar por ridículo... mudou os personagens e seus nomes ! Rômulo era cavalariço de um conde e a bela nobre (e virgem !) Marieta dileta e única filha do barão Ursolino Pragha.

-- "Você bem que poderia me ajudar a criar a nova história... já escreves algumas "coisinhas" até muito interessantes" !

Celsius desejou ter ali a "poção" do frade, para pôr no vinho do traste... "coisinhas" é "o raio que o parta", pensou, agastado.

-- "Paul, nessa atividade não se improvisa... a gente só senta para escrever quando temos o enredo inteiro "amarrado", com começo, meio e fim. Por ora, o teu final é PLÁGIO" !!!

-- "Que seja... eu MUDO ! O Conde BurroNegro era feroz inimigo do Ursolino, castelos próximos, plantações fronteiriças, florestas contíguas. Assim que o pajem Rômulo viu a princesa, na janelinha de uma carruagem, foi amor a primeira vista. Ela, por sua vez, viu seu coração acelerar como um alazão chicoteado. No domingo seguinte, na catedral, o pajem -- com sua melhor roupa -- deixa cair aos pés da moçoila um bilhetinho. Cumprimenta os nobres pais da menina, na primeira fila dos bancos e faz ligeiro sinal com os olhos para a mocinha, lhe indicando o chão. Assim começa o arriscado namoro... toda segunda-feira pela manhã encontram-se às escondidas na floresta do conde vizinho, sem ninguém saber, nem a aia da princesinha:

-- "Genoveva, fique aí na carruagem, vou "ao banheiro" naquele matinho" !

-- "Mas, mylady, não posso deixá-la sozinha em momento algum" !

-- "Ora, por favor, "Genô"... preciso de 1 minuto de privacidade" !

E lá se íam 15, 20, meia hora... a moçoila voltava cantando, "vendo estrelas", passarinho verde. Certo dia, aos beijos e abraços com o rapazote, sentiu sede... havia uma fonte perto, o cavalariço foi lá encher seu embornal. Nesse ínterim (?!), a menina resolveu comer umas frutinhas vermelhas, as perigosas amoras silvestres, que até os passarinhos sabiam ser mortais. Aos homens desmaiava por várias horas, se comessem muitas ficavam hirtos dia e meio. Genoveva nada sabia sobre isso... nem no Palácio, nobres e reis não frequentavam florestas. O pajem viu aí sua chance !

Lavou a boca da jovem dos restos da frutinha, pegou a desmaiada nos braços e saiu da floresta pedindo socorro, em direção a carruagem. Genoveva gritou de susto !

-- "Senhora, achei-a sem sentidos na relva... precisas voltar ao castelo com urgência, parece estar muito mal" !

A mocinha se manteve inerte por toda a noite... o esculápio do palácio não descobriu os motivos para isso. Na manhã seguinte, o pajem surgiu no castelo dizendo ter uma "beberagem" que a faria acordar.

-- "Então, dê-lhe logo, meu jovem e podes me pedir o que quiseres" !

-- "Meu corpo aceitaria presentes, mas meu coração quer cortejar vossa nobre princesa" !

-- "Miserãvel, está dando "o golpe do baú", o desgraçado" !, pensou o barão.

-- "SALVE minha filha... SE ela te aceitar -- eu disse SE -- concordarei com seu namoro" !

Já notara êle um leve rubor nas faces dela e a mocinha levantaria em breve... cantou um "Miserere" e um "Ora pro nobis" aprendidos nas Missas assistidas e jogou de leve alguns pingos da "mezinha" nos lábios da donzela.

-- "Oohhh... o que aconteceu ?! Onde estou ?, fala trêmula a menina.

-- "Em meus braços, princesa Marieta... seu servo Rômulo, às suas ordens" !

-- "Papai, o que significa isso ? Quem é este rapaz" ?!, "desconversa" a jovem.

-- 'SALVOU sua vida, meu anjo ! Prometi-lhe sua mão em casamento, se você concordar" !

Final da estória: o casório sairá em breves meses. Rômulo "deu um fim" em todas as amoreiras daquelas paragens. Entre risotas, a plebe ignara diz que o barão "caiu do cavalo" e a filha "montou num jumento" !

"NATO" AZEVEDO (em 20/fev. 2022, 18,30hs)