Crônicas de Garesis - Amor no fronte - parte III
Em Southern o sol ainda brilhava alto e forte, o calor e aridez traziam uma sensação de sufoco aos milhares de soldados sob o comando do príncipe Mezel, estavam a quilômetros da costa litorânea do continente e o pouco vento que era soprado em seus rostos era tão quente quanto as lufadas de uma salamandra de fogo. Dentro das armaduras de metal e couro eles suavam provocando desconforto.
O príncipe Mezel enxugava a testa úmida sob a viseira de seu elmo, olhou ao redor para seus soldados e tentou contabilizar suas perdas, ao seu lado, em cima de um lindo corcel cinzento estava Magnus, com sua capa roxa e chapéu pontudo da mesma cor, ele parecia não estar sofrendo com as condições climáticas, olhando mais uma vez o herdeiro de Arcádia percebeu que da tropa de magos ali presente todos pareciam na verdade bem confortáveis e nem davam sinais de cansaço ou esgotamento.
Minutos atrás tiveram sua primeira batalha que antecedia uma cuja Mezel sabia que era determinante para o curso da história e isso fez seu estômago borbulhar.
-- Acha que seu plano vai dar certo? - perguntou ele olhando para o mago.
-- Meu príncipe, acredito que de todas as infinitas possibilidades essa é aquela que temos maior chance. - explicou Magnus calmamente. - Se tudo funcionar como minhas prospecções indicam teremos a maior vitória desde a queda do primeiro reinado.
Acontece que mesmo com toda sua habilidade de anteceder, ou até predeterminar o futuro, Magnus nunca iria esperar pelo que aconteceria momentos depois, conforme sua mãe, a grã mestra dos magos Segna dissera ao rei Edmund, era de vital importância que ele não tivesse conhecimento disso.
As tropas avançavam pelo desfiladeiro entre os dois cânions, depois de alcançar a metade dele e já conseguirem avistar o verde do Oasis de Dragfar e ali o golpe seria mais pesado, hordas das mais temíveis criaturas aguardava o exercito de Arcadia. goblins, lefeis, minotauros, serpes, orcs e elfos escuros, carniçais e outros seres enchiam as fileiras sob o comando Esmir, o dragão-fêmea.
Todos estavam a postos, as tropas de Arcadia vinham com tudo num ataque frente á frente, Timeos o minotauro que comandava as tropas de Esmir soltou um urro estridente de puro ódio quando avistou os inimigos liberando seu exército num ataque furioso.
- Tolos! - pensou ele. - Estão com espaço reduzido, um ataque frontal é derrota na certa, este fora um dos motivos para escolha deste terreno.
As duas tropas estavam prestes a se chocar, as criaturas de Timeos tinham certeza de um ataque esmagador, corriam, gritavam e brandiam suas armas certos da vitória. Era tarde demais, as primeiras criaturas estavam a menos de um metro de distância dos inimigos quando foram arremessadas por quase três metros no ar, e os seguintes fora o mesmo, Timeos que estava pouco atrás não entendia o que estava acontecendo,, parecia que se formara um escudo que protegia os oponentes, só depois quando várias das criaturas ao seu comando foram jogadas no ar foi que ele viu, a imagem do exército de Arcadia se desfazendo como vidro líquido, atrás dessa imagem projetada estavam um grupo de magos que conjuravam os feitiços de repulsão.
- Emboscada. - berrou Timeos com sua voz grave, mas era tarde, dos dois lados do oásis surgiam o verdadeiro exército liderados pelo príncipe Mezel e Magnus, cercando as criaturas pelos flancos direito e esquerdo num ataque devastador e ousado.
Os magos fizeram um grande rombo nas fileiras de criaturas e despois se espalharam disparando feitiços e magias para todos os lados, a cavalaria de Mezel acompanhavam seu príncipe num ataque devastador, seguido por lanceiros, guerreiros e os arqueiros, porém, com toda estratégia bem elaborada por Magnus a diferença nos números não demorou para pesar o lado das raças livres, eram em torno de cinco criaturas para cada guerreiro.
Quando Mezel viu seus homens caírem aos montes procurou por Magnus e seu destacamento de Magos, que também tiveram suas baixas, seus olhares se encontraram então o Príncipe dos Magos partiu com sua tropa para junto do príncipe, varrendo boa parte dos inimigos com rajadas de vento.
- Precisamos chegar até o dragão. - disse Mezel enquanto decepava a cabeça de uma serpe que armava um bote.
Esmir estava no centro do oásis, flutuando sobre as águas que se agitavam ao seu redor, estava numa espécie de transe e sua forma humana começava a voltar para a origem dracônica, uma longa cauda de escamas brancas surgia por baixo das vestes, os chifres curvados despontavam entre os cabelos prateados.
- Preciso chegar perto dela. - declarou Magnus. - pode me conseguir passagem?
- Vamos ver o que podemos fazer. - disse Mezel que fez um sinal com os braços enfileirando seus cavaleiros em forma de delta. Magnus reuniu os seus e se posicionou atrás da formação e pela primeira vez ele deixou de lado o cajado de mago para sacar a espada com a corrente, quando o herdeiro de Arcádia deu o sinal todos partiram com suas montarias até o centro do oásis onde estava Esmir derrubando e atacando que pudesse no processo, os guerreiros remanescentes logo que podiam se juntavam na empreitada ficando com os que sobreviviam a varredura.
Quando estavam próximos do objetivo um grande baque arremeteu o ataque, Timeos, o minotauro, havia arremessado o cavalo branco de Mezel com ele preso a sela, quando Magnus parou seu corcel para socorrer o príncipe foi surpreendido pela mesma fúria, sua montaria havia sido perfurada pelos chifres do oponente, erguida alguns metros e depois lançada de lado, Magnus estava caído no chão arenoso com a espada do lado, Timeos parecia não ter dado atenção ou importância para ele , desviou do mago e se dirigiu para Mezel.
Os soldados de Mezel partiram para cima do general de Esmir, com pouco mais de dois metros e com uma força titânica o colosso deu conta de seis deles com apenas um golpe, com sua cimitarra, ceifou a vida de mais três antes que ele chegasse ao príncipe que estava desacordado com a queda, Ele então ergueu a cimitarra saboreando o momento quando foi atingido no ombro por uma lâmina.
O monstro virou para trás incrédulo e viu de pé Magnus com a espada em mãos. Timeos curvou seu corpo para frente e disparou contra o ousado mago que virou para esquerda no exato momento acertando um golpe certeiro nas costelas da criatura que rugiu de dor. O tempo de ração foi rápido demais, logo o minotauro colocou toda sua fúria num golpe de cimitarra aparado pela espada do mago que sentira a enorme força do seu inimigo, pensou que qualquer outra espada teria se quebrado ali mesmo, Timeos preparou outro golpe não dando tempo de Magnus sair da posição e ali se seguiram vários golpes consecutivos.
Magnus sentia que estava afundando na areia dado o peso de cada golpe, então, esperando o momento certo, ele soltou uma das mãos do cabo da espada e concentrando a energia na mão livre disparou fagulhas que logo se tornaram chamas acertando em cheio o rosto de Timeos, foi tempo suficiente para uma estocada no peito desprotegido e logo uma profusão de sangue escuro escorrera pela lâmina do Mago.
Timeos caiu inerte e logo tingiu as areias com seu sangue escuro, Magnus olhou ao redor e a cena era perturbadora, vários homens e mulheres estavam perdendo suas vidas pela liberdade de suas famílias, sabia que tinha que agir rápido, foi então até o príncipe que estava sendo amparado pelos seus soldados, já desperto ele disse:
- Você se adaptou bem á ela. - falou apontando para a espada machada de sangue.
- Acho que sim, como está? - Quis saber.
- A cabeça dói mas estou inteiro, a armadura absorveu o impacto mas meus cavalo não teve tanta sorte. - disse Mezel. - Obrigado por me salv...
Foi em questão de segundos que Magnus percebeu a movimentação atrás, viu pelo reflexo nos olhos de Mezel o minotauro vindo para cima com toda velocidade num ataque desesperado, ele então se virou com rapidez da esquerda para a direita, a espada ainda em mãos se separou em duas partes, o cabo e a lâmina unidos apenas pela fina corrente giraram no ar com grande alcance, encontrando o pescoço musculoso de Timeos á uma distância segura, era o fim daquele colosso.
Com a lâmina de volta na sua base o mago se vira para o príncipe:
- Acho que temos uma abertura.
- Vá !Eu e meus homens vamos tentar segurar o que sobrou. - disse príncipe.
O Mago passou pelo campo de batalha, logo o solo arenoso deu lugar a uma relva pisoteada e lamacenta, aqui e ali, um ou dois magos de sua companhia se juntavam a ele protegendo suas costas contra as hordas inimigas enquanto palmeiras surgiam ao seu redor, então ele a viu, sua transformação estava quase completa, um ser quadrupede de escamas peroladas e pele branca flutuava sobre o lago, á essa altura, além da cauda e dos chifres, um par de majestosas asas surgiam no dorso do dragão fêmea, os cabelos prateados agora acompanhavam o pescoço longo e volumoso, era a criatura mais terrivelmente magnifica que Magnus já havia visto. Além disso ,acima da cabeça de Esmir, uma fenda pequena se formava no ar, foi então que ele percebeu.
Eliminando as poucas criaturas que ainda guardavam o local, com ajuda dos magos de sua companhia, Magnus chegou de frente a Esmir, esta estava num transe profundo, dela jorros de energia eram sugados para a fenda circular que aumentava de tamanho minuto á minuto. Esmir estava com feições de terrível sofrimento.
Tirando das costas seu bastão e embainhando sua espada, Magnus começou a conjurar um feitiço, primeiro desenhando um circulo e dentro desse vários símbolos, fora do círculo dois quadrados sobrepostos de forma que uma estrela de oito pontas se formava e sobre cada ponta um símbolo. Logo um campo energético arroxeado se formou como uma cúpula em torno do príncipe dos magos.
- Vão e ajudem Mezel ! - ordenou ele aos magos que lhe faziam guarda e eles assim o fizeram. Ele se voltou para o dragão e conjurou outro feitiço. - Astralis Nexus!
Logo mente e corpo de Magnus se separaram, a projeção de sua consciência flutuou acima do corpo que ainda era ligado por um fio prateado de aparência elástica, ele então encarou o dragão e foi ate ela, ainda maravilhado, mesmo sabendo que ela era um risco a todos, consciente do seu dever ele tocou a enorme cabeça da criatura e um flash de luz lhe cegou momentaneamente. Quando pode ver novamente não estava mais no oásis, estava num mar perolado, não havia céu, tudo era branco, com exceção de uma pequena ilha de relva verde e fresca, lá estava alguém.
Magnus foi descendo rápido até ilha e ali ficou frente a frente com o enorme dragão, Esmir que estava deitada tinha vários sinais de ferimentos e mostrava grande agonia, mas ergueu a cabeça e encarou o mago.
- Como ousa penetrar na minha consciência ? - berrou ela, foi como se milhares de vozes falassem ao mesmo tempo, uma sensação terrível passou por Magnus.
- Eu peço desculpas. - disse ele tentando ter cuidado com as palavras.
- Não se atreva a me ludibriar com as suas palavras humano. - disse ela furiosa. - posso escutar as vozes em sua cabeça.
- Eu sou Magnus, filho de Segna, grã-mestra dos Magos. - disse ele com sinceridade. - queria apenas conversar.
- Sei quem você é, sei da sua mãe e da ordem dos magos, mas não sei o quer quer comigo. - declarou ela, agora pondo-se de pé.
- Quero te entender, saber por que querem nos destruir.
- Nem todos nós querem isso. - Disse Esmir. - Alguns de nós desejava compartilhar este mundo com vocês, mas pagamos caro pelo nosso erro, a maldade de vocês corrompeu nossos corpos e mentes e nos dividiu. Sufur quer nos dar o poder novamente.
- E o que você recebe com isso? A morte? Ele levou em consideração o que você desejava?
- Você é estranho Magnus, o mago. Você não me teme. - Esta ultima declaração foi ecoada por todo aquele lugar, eram os pensamentos do dragão encarando ele profundamente.
- Por que vai se sacrificar se não vai colher os frutos da conquista de Sufur, ou o mundo que ele promete trazer de volta. - disse o mago aproveitando o espaço. - Não buscamos a supremacia, apenas o direito de viver, ainda acredito que podemos coexistir.
De repente Esmir avança furiosamente contra Magnus, fazendo recuar:
- Coexistir? Coexistir? - Berrou ela. - Como poderíamos? Seus descendentes nos enfrentaram, coagiram outros da minha espécie para se sacrificarem a fim de produzir as armas malditas.
- Você fala da forja?
- Sim... - respondeu ela rondando o mago. - A maldita forja, armas feitas dos restos de meus irmãos.
- Mas ela foi destruída, ou perdida. - disse Magnus confuso.
- Não, ela ainda nos ameaça, está guardada por Sufur. - Logo todo aquele vazio branco se encheu de imagens, Magnus reconheceu uma caverna, ali várias raças se uniam para forjar algumas armas, depois apareceram Sufur, Esmir, e outros dragões em suas formas terrenas, houve discussão, uma traição e depois branco novamente.
- Eu voltei para caverna. - declarou Esmir. - Vi rastros de sangue e entendi o que Sufur havia feito, ele me dissera que não derramaria sangue.
- E agora é o seu que está para ser derramado e depois disso toda a vida neste mundo vai deixar de existir, é isso que quer?
Esmir pareceu pensativa.
- E o que eu faria neste seu mundo Magnus?
- Minha raça ainda teme a sua, mas com um pouco de tolerância poderíamos aprender um com o outro, não seriamos mais uma ameaça a vocês. - disse o mago se aproximando da magnifica criatura.
Esmir olhou nos olhos de Magnus profundamente, ele retribuiu, e algo ali foi criado.
- Você é estranho Magnus, o mago. - disse ela com o que parecia um sorriso e todo aquele lugar se desfez.
Quando Magnus acordou da sua projeção Esmir estava de pé diante dele, ainda em sua forma dracônica, a fenda havia sumido e nada estava a ferindo.
- Suba nas minhas costas - disse ela se virando pra ele. Esmir soltou um urro feroz e logo suas asas começaram a trabalhar colocando-se alguns metros acima do chão, decolou em direção do que restava das forças de Mezel que estava notavelmente exausto, as hordas de criaturas ainda eram numerosas demais. Quando avistaram o dragão, as tropas do príncipe acreditaram que era o fim, mas ao invés disso, Esmir liquidou boa parte das monstruosidades com rajadas de fogo e os que sobreviveram a isso fugiram atordoados e confusos.
Ao final, havia uma pilha de corpos e túmulos improvisados sobre todo o solo do oásis. Depois de breves explicações por parte do mago, enquanto os soldados se recuperam uma nova estratégia é traçada.
- E agora ? - perguntou Mezel ao dragão fêmea.
- Sufur vai perceber que o meu portal não foi aberto e vai concentrar todas as suas forças em Arcádia. - disse Esmir.
-Nossos pais estão no caminho de Sufur, acho que precisamos oferecer um reforço. - Declarou Magnus.
- Afinal para que servem os portais de Sufur? - perguntou o príncipe.
- São passagens para Drakar, nossa terra que fica no final do seu mundo, ele estava convocando os dragões remanescentes para varrer a vida aqui. - Explicou Esmir.
O Príncipe parecia ainda não confiar muito no dragão-fêmea, mas por fim decidiu que ia confiar por hora.
- Seus magos ainda podem usar o portal? -Quis saber Mezel.
- Não sei se eles tem energia para tanto. - Respondeu Magnus.
- Mande eles prepararem o portal, eu cuido do resto. - Declarou Esmir.
E assim foi feito, os magos remanescentes formaram um circulo e com rajadas verdes e azuis desenharam símbolos na areia dentro de um grande círculo, Rafus que estava na parte exterior veio até Magnus:
- Os Magos de transporte estão exaustos, não vão conseguir completar a passagem. - declarou ele.
- Eu vou ajudar. - disse Esmir se aproximando do círculo. Ainda de fora do círculo o dragão soltou um grande urro resultando em uma rajada de vento tempestuoso, no chão, marcas se juntavam aos símbolos feitos pelos magos, quatro círculos menores surgiram dentro do maior com outros signos totalmente diferentes então uma cascata prateada surgiu do interior do maior subindo aos céus até perder de vista. Mezel ficou atônito, mas logo se recompôs, um novo cavalo foi dado a ele, mas não tinha a majestosidade do anterior e para surpresa de Magnus, Volucer, seu corcel cinzento estava vivo e havia sido curado por alguns magos que o encontraram.
Então, depois de reagrupar o que sobrou de suas tropas, Mezel, Magnus e Esmir se posicionaram a fim de entrar no porta de transporte.
A magia levaria todos nas proximidades de Arcadia, que a esta altura estava sendo atacada vigorosamente pelas criaturas de Sufur, também na sua forma dracônica, as defesas contavam apenas com as tropas do rei, alguns magos de Segna e poucos orcs e anões. Ao que parecia era o fim da última cidade livre.