Alice no país dos egoístas.
Assim como a menina Alice, genial criação de Lewis Carroll, que olha o coelho correndo apressado e não achou muito fora do normal ouvir o Coelho dizer para si mesmo" Oh, puxa! Oh puxa! Eu devo estar muito atrasado!" (Quando ela pensou nisso depois ocorreu-lhe que deveria ter achado estranho, mas na hora tudo parecia muito natural) e afinal correu atrás do coelho e caiu na toca dele, a minha Alice, também carecia de malícia para entender muitas coisas da vida real.
Conheci a menina Alice lá pelos seus 12 aninhos de pura inocência, totalmente diferente das amiguinhas que já pensavam em outros assuntos que ela sequer imaginava.
Fisicamente frágil, Alice era dada a alergias, vômitos, e comia como um passarinho, como dizia sua vovó.
Emocionalmente a minha Alice também parecia frágil, mas todos que dela duvidaram ou perceberam o erro, ou persistiram, agindo de forma infantil com a menina que nascera com o chip da bondade e do amor na mente.
Alice tudo percebia, tudo antevia, mas ninguém acreditava, imagina, uma fedelha! E tal qual a Alice da toca do coelho ela tarde demais percebia que deveria ter achado estranho muitas atitudes dos habitantes daquele surreal país dos egoístas surdos. Nestes momentos, na sua solidão habitual, ela suspirava, ah, maldito chip do amor que tantas vezes não permitia que ela percebesse o mal.
Meio que parente da família acompanhei a evolução da menina Alice que transformou-se numa adolescente difícil e problemática, tudo por causa do chip do amor.
No país dos egoístas surdos, ninguém ouvia a adolescente, era sempre ela a ouvir, escutar e entender, pacientemente, amorosamente.
Aqui eu preciso interromper para dizer para vocês que crianças especiais tanto para mais como para menos – classificação que não acho correta – devem ter tratamento especial, não impedindo que tenham vida normal, mas tentando entendê-las, pois elas serão incompreendidas para o resto de suas vidas.
Contudo, voltemos para a minha Alice, que se torna uma jovem mulher ainda magrinha e frágil, cada vez mais introvertida.
Percebi, só eu percebi, pois ela não falava nada dela, que de tanta incompreensão, Alice acaba por achar que ela é o problema.
Todos os egoístas surdos daquele país surreal e sem o chip do amor incondicional que ela era dotada, fazem-na sentir-se a estranha.
Várias vezes convivi e conversei com Alice, sempre tímida, sempre calada, apenas uma vez me disse que já tinha percebido que as pessoas não sabiam ouvir.
E acrescentou encabulada: - Parece que as pessoas querem ouvir apenas o eco de suas palavras, elas não me ouvem nunca!
Tentei em vão desenvolver o assunto, mas ela se fechou no mutismo que lhe era característico, não, minto, ela gostava de falar da vida, ela gostava de filosofar, afinal percebi que estava diante de uma pensadora independente.
Contudo, quando ela queria falar de si, quando queria expor suas necessidades e desejos, via-se frente a frente com muros de pedras, pois todos qual no episódio da Torre de Babel não se entendiam.
“” Em Gênesis 11:5 pode-se perceber um elemento antropomórfico na descida de Deus para ver a cidade e a torre que os homens estavam edificando. Em Gênesis 11:6 Deus deixa claro que aquilo era apenas o começo, e que a ambição do homem não respeitaria mais limites em seus planos e projetos.””
A minha Alice torna-se mulher, linda, sempre frágil, forte, com o chip do amor incondicional, talvez seu amuleto.
Torna-se confidente de muitos. É procurada por colegas e amigas para conselhos e jamais conta para os outros tais confidências, tornando-se assim confiável e acessível.
As poucas amigas que conseguiu dividir suas angustias existenciais mais tarde exigiram um pedágio, parecia uma concessão que tinham feito, claro, pensava Alice, elas não eram estranhas como ela, faziam parte do mundo surreal dos egoístas surdos. Nem era maldade, faltava o chip, só isto...
Alice torna-se em algumas situações interprete de seus semelhantes que falavam a mesma língua, a língua dos que querem ter razão sempre, e como não se entendiam, olhavam para ela, que pacientemente traduzia para o outro em linguagem simples, universal, a linguagem do amor. Era Babel se repetindo Ad Aeternum, e Alice suportando, superando-se Ad Aeternum no seu conformismo habitual.
A Alice de Lewis Carroll sai da toca com muitos aprendizados para a sua vida, e a minha Alice se desenvolve e se envolve com a mesma facilidade do... você já sabe, o chip...
E tal qual a Alice da toca do coelho, a minha Alice da Babel do país surreal de gente boba e egoístas surdos, também cresceu emocionalmente e se fortaleceu, contanto apenas com a sua força e desistindo de ser ouvida.
“A humanidade não aprende mesmo” costumava filosofar calmamente, em paz...