As regras da casa

O retorno a Hegestap foi feito num quase completo silêncio, pois Sjutsje ainda estava elucubrando a questão colocada por Derre no Berchtop, e este, por sua vez, parecia ter outros assuntos com que se preocupar. Diante dos portões de ferro trabalhado, que se abriram tão logo o carro aproximou-se, o motorista finalmente emitiu um comentário:

- Há um depósito de ferramentas ao lado da garagem; vou deixar lá a sua bicicleta, a porta não fica trancada.

- Está bem - acedeu a jovem. E, achando que deveria acrescentar mais alguma coisa:

- Fico-lhe muito grata por hoje, Derre.

- Não há de quê, senhorita - replicou ele num tom protocolar. - Disponha.

Contornaram a ala residencial do castelo e Derre parou o automóvel diante da garagem (que originalmente provavelmente servira como abrigo de carruagens), indicando a construção de tijolos que servia como depósito de ferramentas. Abriu a mala do Tatra 603 e dali retirou a bicicleta, que foi guardada ao lado de prateleiras de implementos agrícolas utilizados pelos trabalhadores agrícolas locais.

- Imagino que, agora que tenho meu próprio meio de transporte, não vou poder mais recorrer aos seus serviços - comentou Sjutsje em tom jocoso, já se despedindo.

- Tudo depende de como o seu trabalho vai se desenvolver daqui por diante - redarguiu Derre, muito sério. - Há lugares nas redondezas onde só terá acesso num veículo oficial, jamais numa bicicleta.

Sjutsje intuiu que ele estava se referindo ao local onde trabalhavam as pessoas bem trajadas que vira no Berchtop. Certamente, não se tratava de residentes da vila.

- Sim, naturalmente... - assentiu. - Bem, até a próxima então.

- Até breve - replicou Derre.

Na entrada da ala residencial, Sjutsje cruzou com a governanta, que lhe indagou como fora o passeio.

- Bastante corrido, mas divertido - afirmou.

- Pois vá se trocar, o almoço é servido às 12:30 h - informou a governanta.

- Ah... será que a senhora poderia pedir à Sieu que fosse me ajudar a escolher uma roupa adequada?

Marte De Vos ergueu um sobrolho.

- Posso, mas por favor, não se atrase - solicitou.

Sjutsje prometeu que não se atrasaria.

* * *

A criada ficou radiante em reencontrar Sjutsje, e ansiosa por saber das novidades.

- Acho que vi 90% de Reeddak - comentou Sjutsje com uma piscadela. - Incluindo a praça do Mercado e a oficina da Libeltsje.

- Ela lhe arranjou uma bicicleta?

- Sim, agora imagino que vou poder conhecer as redondezas... e vi trilhas que entram pela floresta; assim nem vou precisar sair de dentro da propriedade.

- Há regras para andar na floresta, senhorita - advertiu Siei. - É bom que conheça as principais pelo Regelboek, antes de se aventurar pelas trilhas.

Sjutsje fez uma careta.

- Tudo aqui é tão cheio de... regras.

- São para sua segurança, senhorita - assegurou Sieu. - A menina que estava aqui antes, a Jant, achou que já sabia muita coisa e que podia ignorar as regras; acabou saindo por causa disso.

- Eu conheci a Jant - revelou Sjutsje. - Parece que ela quebrou uma regra bem básica, não é? Está com um belo barrigão...

- O problema da Jant não foi a gravidez, mas a arrogância - afirmou Sieu. - O que a Jant fez, ainda pode ter consequências, por isso não a deixaram ir embora.

E diante da expressão de perplexidade de Sjutsje, sussurrou:

- Jant não mora na vila por vontade própria; para ela, Reeddak é uma prisão.

- [Continua]

- [05-12-2021]