Um mau passo
Sjutsje ficou encantada com a bicicleta de segunda mão que Libeltsje lhe apresentou. Era um modelo feminino, sólido, de cor azul, e parecia pronta para encarar as ladeiras de Reeddak.
- É uma bicicleta de operário, - especificou a mecânica em tom mordaz - para que você não esqueça que não vivemos no luxo aqui.
- Mas eu nunca vivi no luxo, - redarguiu Sjutsje - e sei que andar num automóvel com motorista deve-se ao que esperam do meu trabalho, não é uma deferência pessoal à minha pessoa.
- Eu não teria dito melhor - troçou Derre Huisman. - Bom, vamos colocar o seu novo meio de transporte na mala do carro...
- Como vou pagar pela bicicleta? Vão descontar do meu salário? - Indagou apreensiva Sjutsje.
- Sossegue; ela não é realmente sua - explicou Libeltsje. - Poderá usá-la enquanto estiver a serviço de Hegestap.
- Eu tinha tanta coisa pra lhe perguntar... - Sjutsje lembrou que teria que retornar ao castelo até às 12 h. - Mas vai ficar para outra oportunidade.
- Eu não vou sair daqui - prometeu a mecânica erguendo a mão direita num gesto solene. - Apareça para uma fatia de ontbijtkoeken...
- A minha antecessora - lembrou Sjutsje voltando-se para o motorista. - Algum problema se eu quiser dar um alô pra ela antes de voltarmos?
- Nenhum problema - replicou Derre. - É na rua de baixo.
Despediram-se de Libeltsje e entraram no carro. Minutos depois, no meio de outra ladeira, Derre estacionou em frente à uma simpática casinha de pedra, jardim na frente e portas e janelas pintadas num tom vivo de amarelo. O motorista desceu e bateu palmas. A janela que dava para a rua abriu-se, e uma jovem, cinco ou seis anos mais velha do que Sjutsje, inclinou-se sobre o parapeito e acenou.
- Oi Derre!
- Oi Jant! A sua substituta veio conhecê-la...
Se esperava algum sinal de animosidade por parte de Jant, Sjutsje decepcionou-se: o rosto da jovem iluminou-se.
- Ei, que coisa boa! Um minuto, por favor...
A porta abriu-se e Jant mostrou-se de corpo inteiro. A primeira coisa que Sjutsje notou, é que a ex-aprendiz estava em avançado estado de gravidez.
- Sim, foi por isso que desisti do cargo - declarou sem rodeios, sem que Sjutsje nada lhe perguntasse.
- E eu não sou o pai - Derre acrescentou em tom brincalhão, erguendo as mãos como que para eximir-se de qualquer responsabilidade pela situação.
- Sentem-se - convidou Jant, indicando as cadeiras rústicas da sala. - Aceitam um chá?
- Só passei para te conhecer - disse Sjutsje acanhada. - Estamos com tempo contado...
- O serviço do castelo assim o exige - Jant lançou-lhe um olhar de compreensão.
- Mas a gravidez é um problema... digo, para o exercício da função? - Inquiriu Sjutsje, entrelaçando os dedos das mãos.
- A biblioteca tem lá suas regras; - ponderou Jant - manter o celibato é uma delas.
E com uma piscadela:
- Creio que não me revelei forte o bastante, como pode constatar.
- Para decepção da senhora Wassenaar - Derre acrescentou, braços cruzados.
- Eu não me arrependo, e faria tudo de novo - Jant ergueu um olhar desafiador.
- Não está mais aqui quem falou - Derre ergueu novamente as mãos. E para Sjutsje:
- Não vai querer ver de onde pode ligar para casa?
- Sim, claro, por favor - disse Sjutsje, agradecida por sair daquela situação constrangedora.
Despediram-se, e Sjutsje prometeu que voltaria para uma fatia de ontbijtkoeken assim que suas atribuições no castelo lhe permitissem.
- Jant era talentosa - comentou o motorista enquanto partia rumo à praça do Mercado. - Foi realmente uma pena que tenha se deixado levar dessa forma. E você, senhorita, deixou algum namorado na capital?
Se ele trabalhava realmente para o Birô Central, pensou Sjutsje com as faces em chamas, saberia que ela nunca havia namorado na vida.
- [Continua]
- [03-12-2021]