O raio partido
O Tatra 603 parou próximo à uma esquina, numa ladeira que conduzia para a saída norte da vila. Uma casa (de tijolos vermelhos, não de pedra, como era comum em Reeddak) tivera seu quintal convertido numa pequena oficina de consertos de bicicletas, ostentando na fachada uma placa desbotada onde se lia "Damstra & Irmãos". No interior, uma mulher grandalhona, macacão jeans e camisa de flanela vermelha, trocava um raio partido na roda duma bicicleta. Ainda na calçada, Derre bateu palmas.
- Oh de casa!
A mulher parou o trabalho e encarou o visitante, sobrolhos erguidos.
- Derre Huisman... a que devo a honra?
O motorista abriu os braços.
- Vim lhe trazer uma nova cliente, trate-a bem!
E apontando para a fachada:
- Não está na hora de trocar essa placa e colocar algo como "Damstra & Filhos"?
A mecânica fez um muxoxo.
- A loja já se chamava assim no tempo do meu avô. E quem é a cliente?
Derre fez sinal para que Sjutsje se aproximasse.
- Sjutsje Ykema, formada pelo Liceu na capital.
- A senhora é Libeltsje, prima de Goaris? - Indagou a jovem, mão estendida.
A mulher a encarou surpresa.
- Você é tão nova... que idade tem?
- Fiz 22 em 31 de Folsleinens - disse Sjutsje, sentindo-se como se fosse uma criança interrogada por adultos.
Erguendo-se da banqueta onde estivera sentada, a mecânica virou o cotovelo direito para Sjutsje, o que fez esta recuar um passo.
- Bata aqui, estou com as mãos sujas de graxa - tranquilizou-a. - E sim, eu sou Libeltsje Damstra.
Desajeitadamente, Sjutsje virou o braço e bateu com seu cotovelo no da mecânica, que a olhou de cima a baixo.
- Como então, a senhora Wassenaar já arranjou outra aprendiz - comentou de modo casual. - Foi rápido, não, Derre?
O motorista deu de ombros.
- A cada nova rodada, o Birô Central fica mais preciso em suas escolhas; a senhorita Sjutsje é fruto deste processo contínuo de aperfeiçoamento, e esperamos ter mais sucesso com ela do que com a última convocada.
Sem tirar os olhos de Sjutsje, Libeltsje fez um aceno de concordância.
- Posso sentir daqui - murmurou.
E voltando as palmas das mãos manchadas de graxa para a jovem, semicerrou os olhos durante alguns instantes.
- Percebo o que viram nela - declarou por fim. - Sim, foi uma boa escolha...
- Eu lhe disse - assegurou Derre, com orgulho.
Sjutsje olhava de um para o outro, até que não se conteve e perguntou:
- O que houve com a última convocada?
A mecânica e o motorista entreolharam-se.
- Você vai conhecê-la - disse Derre. - Ela ainda mora aqui, em Reeddak.
E batendo palmas para mudar de assunto:
- A mocinha vai precisar de uma bicicleta, Libeltsje. Que tal preparar uma para ela?
- [Continua]
- [02-12-2021]