Um lugar achado
- Então, você é uma bibliotecária formada? - Indagou Derre, ao volante do Tatra 603 no caminho para Reeddak. Naquele início de manhã, a estrada, calçada com blocos de concreto e ladeada pela mata que ainda ocupava boa parte da serra, estava praticamente deserta, salvo por alguma carroça puxada a cavalo, transportando moradores locais ou uma solitária bicicleta.
- Eu terminei o curso no Liceu no início do ano - redarguiu Sjutsje, comodamente instalada no banco de trás. - Tive sorte de conseguir logo uma indicação para Hegestap.
- Uma indicação destas não é só uma questão de sorte - declarou o motorista, olhos na estrada. - Certamente deviam estar lhe avaliando ao longo de todo o curso.
- Acredita que isso é possível? - Indagou Sjutsje curiosa. - As minhas antecessoras, que perfil tinham?
- A aprendiz sempre é alguém formada pelo Liceu; - afirmou Derre - ao menos, nos últimos duzentos anos tem sido assim. E depois dos dez anos de serviço regulamentar, se ela tiver aptidão para ser governanta, pode mudar de profissão e continuar lá. Mas ser titular da biblioteca de Hegestap, é uma coisa bem diferente.
- Imagino que a senhora Wassenaar deva estar buscando uma substituta - especulou Sjutsje.
- Fala isso por conta da aparência dela? - Derre exibiu um sorriso zombeteiro pelo retrovisor.
- A quanto tempo a senhora Wassenaar é a titular? - Questionou Sjutsje.
- Mais de 50 anos, creio; ela já era a bibliotecária quando meu antecessor foi designado para o cargo.
- Então, já deve estar perto da aposentadoria - assegurou Sjutsje.
- Vai estar perto quando ela disser isso - replicou Derre. - Nem um minuto antes.
- Eu não estou querendo tomar o lugar da senhora Wassenaar - apressou-se a dizer Sjutsje. - Só digo que, se for a hora de escolher uma substituta, eu me sinto pronta para o trabalho.
- Certamente, não te falta autoconfiança - divertiu-se Derre. E apontando para uma placa à direita na estrada:
- Veja, estamos entrando na vila.
A placa dava boas-vindas à Reeddak, população 854 habitantes. Era um lugar bem pequeno, de fato; casas de pedra cobertas com telhas vermelhas, ruas de paralelepípedos e um trânsito mínimo, quase todo composto por veículos de tração animal, bicicletas e um ou outro utilitário com algumas décadas de uso. Os moradores, alguns deles sentados à frente das casas ao longo do caminho, encaravam com curiosidade a passagem do Tatra 603.
- Não tem muita coisa para ver; essa é a praça do Mercado, o coração de Reeddak - informou Derre, quando entraram num grande espaço quadrangular calçado com mosaicos geométricos, cercado por construções de até dois andares e aparência mais oficial do que a maioria das edificações que encontraram pelo caminho. No centro, havia uma estátua de bronze de um homem com casacão e tricórnio, um cão deitado aos pés. O motorista parou o automóvel, para que Sjutsje descesse e tivesse contato direto com o local.
- Correios, mercado municipal, chefatura de polícia, posto de saúde, casas de pasto, posto de abastecimento de combustível, grupo escolar - foi enumerando o motorista, enquanto circulava pela praça acompanhado da jovem.
- E a loja que conserta bicicletas? - Quis saber Sjutsje.
- Essa não fica na praça - redarguiu Derre. - Não é tão importante assim; mas eu levo você lá, depois.
- Por favor - solicitou Sjutsje. E apontando para a estátua:
- Quem é aquele? O fundador de Reeddak?
Derre fez um gesto negativo.
- Aquele é Hermen Tolsma, o mateiro, e seu cão Plak. Eram muito bons em achar gente que se perdia nas matas da região...
- Para merecer uma estátua, deve ter salvo a cidade inteira - avaliou Sjutsje.
- Dizem que ele ainda anda por aí, ajudando quem se perde - comentou Derre, e Sjutsje não pôde avaliar se ele estava brincando, pois um policial fardado saiu da chefatura de polícia e aproximou-se deles.
- Veio trazer a Jovem para conhecer Reeddak, Derre? - Indagou o homem, sorridente.
- Sargento Pylgrom Braaksma, esta é Sjutsje Ykema, aprovada como aprendiz da biblioteca - apresentou-os Derre. - A senhorita chegou ontem, da capital.
- E já foi aprovada? - Braaksma parecia positivamente impressionado. - Que me lembre, nunca tivemos uma confirmação tão rápida assim.
- O Birô Central está ansioso para trabalhar com a senhorita Ykema - afirmou Derre orgulhoso. - Estou fechando meu relatório de avaliação.
E só então Sjutsje entendeu que, mais que motorista, Derre era um agente de ligação com o governo central.
- [Continua]
- [01-12-2021]