A Trindade
O café da manhã foi servido sob um caramanchão florido, num jardim próximo à entrada principal de Hegestap. Se ainda restara alguma dúvida na mente de Sjutsje sobre a expertise culinária da chef Jeldou e sua equipe, ela foi definitivamente afastada ao ver a mesa preparada para recebê-la e às suas companheiras residentes, Frauke Wassenaar e Marte De Vos: panquecas com bacon cobertas de melado, torta de maçã, sanduíches abertos e queijo Gouda. Como ambas conseguiam manter-se tão esbeltas, era o que gostaria de saber.
- Bom dia, senhoras - cumprimentou-as cordialmente, antes de sentar-se na única cadeira de ferro vaga.
Ambas retribuíram a saudação, e em seguida Frauke Wassenaar lançou um olhar arguto para Marte:
- Aproveite e faça uma avaliação enquanto ela ainda está em jejum.
Sjutsje, que já estava estendendo a mão para pegar o bule de chá verde, retraiu o braço, aguardando o que viria a seguir. A governanta apenas repetiu o gesto que fizera quando ela havia chegado ao castelo, na noite anterior: palmas voltadas em sua direção, e olhos semicerrados.
- A afinidade foi atingida - declarou por fim, abrindo completamente os olhos.
A bibliotecária bateu palmas, animada.
- E em apenas uma noite! Eu sabia que havíamos feito uma boa escolha!
Diante da expressão vazia de Sjutsje, acrescentou:
- Parabéns, você foi aprovada para começar como aprendiz na biblioteca!
- Oficialmente, agora você é uma de nós - comentou Marte De Voz. - Precisamos brindar.
E encheu as xícaras de porcelana com chá verde.
- Mãe - declarou, tocando no próprio peito.
- Anciã - disse a bibliotecária.
- E eu, quem sou? - Murmurou Sjutsje, xícara na mão.
- Você é a Jovem - replicou Frauke Wassenaar.
As três xícaras foram erguidas e se tocaram sobre a mesa.
* * *
Com sua inesperada mudança de status, Sjutsje resolveu testar até onde poderia ir com o mesmo; até Reeddak, era o que esperava. Gostaria de conhecer a vila - e descobrir algum telefone público do qual pudesse ligar para a mãe na capital.
- O momento da apresentação formal à biblioteca ainda não chegou, - lhe dissera Frauke Wassenaar após o desjejum - portanto vou autorizar que vá até a vila para resolver seus assuntos particulares.
E para isso, ela ordenou à Sieu (que estava servindo à mesa) que chamasse o motorista, Derre. O homem, que usava um uniforme cinza grafite que Sjutsje só vira em fotos antigas, apresentou-se pouco depois, boné na mão.
- Você vai levar a Srta. Sjutsje para conhecer Reeddak - disse Marte De Vos. - Cuide de trazê-la antes das 12 h.
Derre aquiesceu, e perguntou à Sjutsje em quanto tempo ela estaria pronta para sair.
- É só o tempo de ir ao quarto escovar os dentes - redarguiu a jovem. - Não vou nem trocar de roupa.
Derre então informou que a esperaria diante da entrada principal, situação completamente inusitada para ela. Mesmo na capital, conhecia poucas pessoas com automóveis próprios, e nenhuma com motorista particular. E, no entanto, ali estava ela naquela condição.
Sua surpresa só fez aumentar quando, ao retornar do quarto, viu que o automóvel em questão era um Tatra 603 preto, popularmente conhecido como "Quatro Olhos" por conta dos seus quatro faróis redondos. Era um veículo antiquado, mas ela só vira aquele tipo de carro de luxo ser utilizado para transportar altas personalidades, como o secretário-geral ou um dos ministros de estado.
E agora, ela, Sjutsje Ykema.
- [Continua]
- [30-11-2021]