Tempo limitado
O jantar chegara ao fim. Antes de se levantar da mesa, Sjutsje fez a pergunta que estava em sua cabeça desde que descera do kombibus:
- Será que posso ligar pra casa, avisar que cheguei?
Frauke Wassenaar ergueu os sobrolhos.
- Aqui só temos um aparelho telefônico, Sjutsje. Fica no meu escritório, e só o utilizamos em situações oficiais ou de extrema urgência.
Marte De Vos tocou no braço da bibliotecária.
- Sei que isso não é muito ortodoxo, mas para que nossa candidata não tenha que esperar até amanhã e ligar da vila, que tal se eu a acompanhar até o seu escritório e permitir que ela fale com a mãe... por uns cinco minutos?
Frauke Wassenaar suspirou.
- Lá vem você, Marte. Que impressão Sjutsje vai ter, se começarmos a flexibilizar as regras antes que ela aprenda a respeitá-las?
Sjutsje ergueu a mão e comentou, timidamente:
- Em minha defesa, devo dizer que desconhecia esta regra sobre o telefone, portanto não sabia que a estava quebrando.
Frauke Wassenaar e Marte De Vos entreolharam-se.
- Você tem razão - admitiu finalmente a bibliotecária. E, erguendo um dedo:
- Cinco minutos. E não me venha pedir para quebrar a regra novamente.
- Sim, senhora - acedeu Sjutsje.
Frauke Wassenaar voltou-se para a governanta e ordenou:
- Acompanhe-a.
* * *
Marte De Vos abriu a porta do escritório da bibliotecária, no fim do corredor da ala residencial, acendeu a luz, e fez um gesto para que Sjutsje entrasse.
- Eu vou ficar neste sofá, junto à porta. Você pode sentar-se junto à mesa de trabalho da senhora e usar o telefone.
O escritório de Frauke Wassenaar era mais comprido do que largo. Havia um sofá bordô de dois lugares, com estofamento de veludo, junto à única porta do aposento e duas poltronas individuais do mesmo estilo diante da mesa de trabalho, de mogno, atrás da qual havia uma cadeira estofada de espaldar alto, e uma janela, com as cortinas fechadas. O telefone, de modelo antigo, estava à direita da mesa. Sjutsje sentou-se diante dele e tentou ignorar a presença da governanta, embora um relógio de pêndulo na parede diante dela servisse para lhe recordar que seu tempo ali era limitado. Discou o número da mãe, na capital.
- Mãe?
Taitske Ykema devia estar sentada ao lado do aparelho, aguardando que ela ligasse. Atendeu no primeiro toque.
- Sjutsje! Por que ligou tão tarde, filha? Só conseguiu chegar agora?
- Não, mãe... eu cheguei no finzinho da tarde, mas só agora pude ligar - desculpou-se. - Olha, eu não vou poder falar muito, aqui o telefone é só para emergências.
- E como vou poder fazer contato com você? - Questionou a mãe.
- Bom... eu vou até a vila amanhã, ver se descubro um telefone público, nem que seja para receber recados. E a gente não vai poder se falar todo dia, eu estou em avaliação... a senhora entende, não é?
- Entendo, mas... as coisas aí parecem mais difíceis do que você imaginava, não é?
Sjutsje não podia dar o braço torcer.
- Parece, mas é temporário, mãe.
E, quando Marte De Vos apontou para o relógio, informando que o tempo havia se esgotado, concluiu:
- E é por uma boa causa, a senhora sabe.
- [Continua]
- [28-11-2021]