Uma terrina de snert
Como logo constatou Sjutsje, o jantar em Hegestap poderia ser melhor definido como ceia. Naquela noite (e em praticamente todas as que lhe seguiram), o prato principal consistia numa terrina de snert, acompanhada de croquetes de carne e queijo.
- Espero que goste de ervilhas - comentou a governanta em tom brincalhão.
- É um dos meus alimentos favoritos - declarou diplomaticamente a jovem. Felizmente, além da sopa de ervilhas, o snert servido no castelo era generosamente provido de pedaços de bacon e linguiça defumada.
- Priorizamos os itens que produzimos aqui, em Hegestap - especificou Frauke Wassenaar. - Temos uma horta, pocilga, galinheiro, meia dúzia de cabeças de gado... a filosofia de Hegestap sempre foi depender o mínimo possível do mundo exterior. Você poderá conhecer todas as nossas dependências a partir de amanhã, enquanto estuda o Regelboek.
Sjutsje assentiu, gravemente. Ao menos, constatou com alívio, não precisaria ficar confinada ao quarto enquanto criava a tal afinidade com o livro de regras, estipulada pela bibliotecária.
Richold, o serviçal que trouxera o jantar num carrinho com rodízios, cumprimentara as comensais de modo protocolar. Nenhuma outra tentativa de interação fora feita nos breves instantes em que ele estivera presente, e Sjutsje quase poderia jurar que as duas outras mulheres o ignoravam ostensivamente.
- Há muitos empregados em Hegestap? - Indagou, para tentar desfazer o mal-estar que sentira.
- Somente o mínimo essencial - replicou Marte De Vos, de forma vaga. - Quanto menos gente, menos interferência na biblioteca.
- E todos moram no subsolo? - Questionou. - Não há ninguém com família em Reeddak?
- Esse é um serviço de tempo integral - redarguiu a governanta. - Os empregados, assim como nós, devem residir dentro de Hegestap. Mas você poderá visitar a vila, se o desejar, nos seus dias de folga.
Sjutsje estava realmente pensando na família, a mãe e o irmão adolescente, que pretendia trazer da capital para a serra; isto, claro, se fosse finalmente aprovada por Frauke Wassenaar e começasse a exercer seu ofício de aprendiz na biblioteca. O fato de que ficaria longe deles a maior parte do tempo a entristecia, mas esperava que com o passar do tempo, a bibliotecária passando a confiar mais nela, a deixaria ao menos passar as noites na vila.
- E quando eu puder ir à Reeddak, há algum transporte que me deixe lá e me traga de volta? - Perguntou.
- Temos um motorista, Derre - informou a governanta. - Costuma ser nosso contato com o mundo exterior, quando precisamos enviar correspondências ou trazer algo que não temos aqui.
- Ou, você pode comprar uma bicicleta, depois que estiver mais habituada com a região - sugeriu Frauke Wassenaar.
Sjutsje pensou que seria bom conhecer alguém fora do círculo restrito das comensais da ala residencial. E também lembrou-se do que lhe dissera o motorista do kombibus, sobre a prima que tinha uma oficina de conserto de bicicletas em Reeddak.
- Espero poder resolver isso em breve - declarou em tom otimista.
De sobremesa, Richold trouxe panquecas recheadas com maçã e canela, das melhores que Sjutsje recordava-se de ter comido em qualquer outro lugar.
- Meus cumprimentos ao chef - disse ao rapaz, quando ele voltou para trazer chá verde e torradas, finalizando o jantar.
- A chef - corrigiu-a o rapaz, sorrindo. - Chama-se Jeldou.
E com uma vênia, saiu do aposento.
- [Continua]
- [27-11-2021]