Flâmulas e cataventos
De um lado e de outro do caminho calçado com pedras hexagonais, que levava dos muros de Hegestap até a entrada do castelo, uma floresta antiga erguia-se, com árvores tão altas e tão próximas, que pareciam estar ali há centenas de anos. O vento trouxe até Sjutsje um cheiro fresco de húmus, exalado pelo denso tapete de folhas mortas que cobriam o solo entre as árvores, e sob o qual, volta e meia, pequenas criaturas pareciam esgueirar-se, fugindo ao olhar da jovem. Enquanto apertava o passo, para que a noite não a encontrasse em local tão ermo, constatou com alívio que os postes de ferro colocados a intervalos regulares ao longo do caminho, começavam a se acender; a luz que provinham, contudo, não era emitida por lâmpadas elétricas, mas por bicos de gás.
Finalmente, após uma curva, o caminho desaguou num amplo espaço calçado com as mesmas pedras hexagonais, além do qual erguia-se o conjunto das construções de Hegestap, com suas torres enfeitadas de flâmulas que tremulavam ao vento e cataventos com galos e pumas. No alto da escadaria que levava à entrada da ala principal, duas mulheres a aguardavam diante da porta aberta.
- Boa noite. Eu sou Sjutsje Ykema - identificou-se, parando antes do primeiro degrau, mala na mão.
- É claro que é Sjutsje Ykema - replicou a mais alta das duas mulheres. - E eu sou Frauke Wassenaar, a bibliotecária; queira subir, por favor.
Sjutsje fez como lhe havia sido ordenado. Frauke devia ter seus 70 anos de idade, era magra e empertigada, vestia-se de preto e mantinha o cabelo completamente branco cuidadosamente preso, num coque na nuca. Ela ergueu os braços, palmas das mãos abertas voltadas para Sjutsje e inclinou a cabeça para trás, olhos semicerrados.
- Veja isso, Marte - sussurrou para a acompanhante, uma mulher cheinha de seus 40 e poucos anos, cabelos ruivos amarrados num rabo de cavalo, uniforme cor de ameixa e avental branco.
A interpelada também semicerrou os olhos e repetiu o gesto da bibliotecária, enquanto Sjutsje acompanhava tudo de olhos arregalados, sem dizer palavra.
- Ela tem uma boa aura - avaliou Marte, estalando a língua como se tivesse acabado de provar o tempero de um prato.
Ambas baixaram os braços quase simultaneamente, e em seguida, Frauke Wassenaar segurou Sjutsje pelos ombros e a beijou calorosamente em ambas as faces.
- Bem-vinda à Hegestap, Sjutsje Ykema. Esta é Marte De Vos, a governanta; pode entregar a mala à ela.
- Grata, senhora... - murmurou Sjutsje, que não esperava ser recebida de modo tão afetuoso.
Marte repetiu o gesto da bibliotecária, antes de tirar a mala da mão de Sjutsje.
- Você deve estar cansada e com fome - ponderou Marte, enquanto entravam no saguão da ala principal.
- Cansada, sim, mas na verdade o que eu mais queria agora, era um banho - revelou Sjutsje. O kombibus havia parado em tantos lugares, que não poderia reclamar de falta de comida ou banheiros pelo caminho...
- Marte vai lhe acompanhar até seu quarto; o jantar é servido às oito - informou a bibliotecária, ao chegarem à escada sinuosa que levava ao andar superior.
- Sim senhora - redarguiu respeitosamente Sjutsje.
Enquanto subiam os degraus, sob o olhar atento de Frauke Wassenaar que ficara no térreo, Sjutsje indagou para a acompanhante:
- Como vocês abrem e fecham os portões do castelo, à distância? Aquilo me impressionou muito!
Marte deu uma risadinha.
- Não é por estar num castelo de mil anos de idade, que as coisas aqui funcionam por magia, Sjutsje.
E deu uma palmadinha amistosa nas costas da jovem.
- [Continua]
- [25-11-2021]