LIÇÃO DE VIDA
1966 - Ginásio Educandário Alcindo de Camargo.
Alagoinhas - Bahia
É muito triste e também inesquecível, quando se tem um desejo; um sonho, e de repente ele passa a ser um pesadelo na nossa vida. Quem nunca teve uma decepção que atire a primeira pedra.
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Estávamos concluindo os estudos do curso ginasial: era um curso que meava entre o ensino primário e o colegial e no final dos estudos era costumeiro se fazer uma festa de formatura para marcar honrosamente o feito, pois aquele curso tinha muita importância na vida de um jovem estudante. Mas, no lugar da formatura, optou-se por fazer um passeio para bem longe. Foi discutido irmos para Aracaju, Ilhéus, Itabuna, Vitória da Conquista, Jequié, Feira de Santana etc, etc. Mas, entre as várias cidades, ficou acertado irmos para Juazeiro, distante cerca de 480 quilômetros dali. O mais importante é que iríamos de trem. Seria uma viagem alegre, festiva e, talvez, a mais inesquecível de nossas vidas ..... e foi.
A escolha da cidade causou uma alardeante euforia dentro da sala de aula; com vivas, abraços, risadas e gritos. Parecia que tudo estava resolvido sem se ter, sequer, um centavo reservado.
Fizeram as contas e ficou acertado que em tal dia e tal hora todos estivessem na estação ferroviária para o embarque no trem, e, tal como combinado, lá estávamos. Éramos mais de vinte pessoas sob as ordens de um líder eleito para a viagem. A esse líder cabia a indiscutível responsabilidade para cuidar das passagens e da hospedagem de todos, pois todo o dinheiro arrecadado estava em suas mãos.
Às vinte e uma horas de uma sexta-feira enluarada, entramos no vagão cheios de alegria expectativas e contentamentos. Iríamos para muito longe.
O meu violão era um bem inseparável.
No lugar de poltronas, só havia bancos de madeira nos quais tínhamos que dormir. O desconforto incomodava e cuidava de afugentar o sono.
O trem corria barulhento sob a tênue luz do luar que mal dava para vermos o azul celestial.
O dia amanheceu sem darmos um só cochilo. Por volta das dez horas, do sábado, chegamos a Juazeiro e logo fomos para um hotel que não nos ofereceu camas suficientes para dormir. Alguns de nós tiveram que dormir em esteiras estendidas sob as mesas do hotel.
Sabendo da nossa chegada, um secretário da prefeitura foi nos dar as boas-vindas. O resto do sábado passou sem nem uma novidade, pois era preciso descansar.
O domingo foi de alegria, pois passamos a nos divertir em bares, praças, comércio e, por fim, fomos dançar num baile do Clube Social Apolo: o melhor da cidade. Logo chegou a segunda-feira e nela a hora de voltar pra casa.
Arrumávamos nossas mochilas, quando alguém euforicamente gritou: pessoal, cadê o dinheiro? O dinheiro de nossas passagens sumiu!
Foi o maior bate-boca. Por pouco não teve agressão física contra o tal do líder. Ninguém tinha dinheiro pra nada. Fomos pedir ajuda na prefeitura mas o prefeito não nos recebeu. imploramos ao chefe da estação ferroviária e fomos ajudados a viajar até a cidade de Senhor do Bomfim num vagão de carga que seguia vazio, onde não tinha bancos e nem janelas. Viajamos como se fôssemos bois.
Em Senhor do Bonfim já anoitecia quando descemos do trem. A fome nos dava os primeiros sinais. Correndo fomos à prefeitura, mas o prefeito não estava no município e ninguém podia nos ajudar. Entristecidos voltamos para a estação e fomos implorar ajuda. Conseguimos outro vagão vazio para as onze horas do dia seguinte. Tivemos que cochilar a noite toda encostados na parede da estação.
Chegamos em Alagoinhas na tardizinha de terça-feira, com muito sono, cansaço, fome, sede, lição de vida e muita.... muita decepção a ser guardada na memória.
São Paulo 24/10/21