O xerife de Berwyg
O xerife Gabriell Oke ergueu os sobrolhos ao ver a mulher de meia-idade que acabara de ser introduzida por um guarda em seu gabinete da Irmandade Vigilante, na prefeitura de Berwyg. Intuía que ela iria quebrar a tranquilidade que tanto apreciava; apesar de ser uma cidade portuária, Berwyg tinha baixos índices de violência e crimes graves, quase sempre provocados por bebida em excesso.
- Quem é, e como se chama? - Inquiriu o xerife, após ter indicado à visitante que se sentasse num tamborete em frente à sua mesa.
- Sou Dorcas Nysell, excelência - apresentou-se a mulher, que usava uma touca branca na cabeça e um avental longo sobre o vestido cinzento. - Trabalho como ama para o senhor Rafe Barfoot, o guia.
- Rafe Barfoot ainda tem filhos pequenos que precisem de uma ama? - Questionou o xerife.
- Não, mas tem uma neta de dez anos de idade, Unice - esclareceu a mulher. - Os pais morreram num naufrágio, quando ela tinha cinco anos. O senhor Barfoot me contratou para cuidar da menina.
- E se você está aqui, onde está a menina? Com o avô? - Indagou Oke.
Dorcas baixou o olhar.
- Bem, na verdade... não sei onde ela está. Foi por isso que vim pedir ajuda à Irmandade Vigilante - admitiu a mulher, embaraçada.
- Você perdeu a menina? - O xerife inclinou o corpo para a frente, testa franzida.
- Não senhor, não senhor! - Dorcas ergueu as mãos, assustada. - Eles a levaram da casa do senhor Barfoot ontem à noite!
- Quem são "eles"? E por que só hoje de manhã veio dar parte?
A mulher cobriu o rosto com as mãos.
- Eu fui enganada, senhor. Meu patrão havia ido à taverna, como sempre faz uma ou duas vezes por semana, e um nobre apareceu lá em casa, acompanhado de dois soldados usando couraças negras... disse que se chamava conde Gowyr, e que era amigo do senhor Barfoot.
- Conde Gowyr... - escreveu o xerife a lápis, num caderno de anotações. - Como era esse suposto nobre?
- Cerca de trinta anos de idade, magro, vestido com um gibão e calças de veludo púrpura e carmesim, uma boina carmesim enfeitada com uma pena de faisão - descreveu a ama.
- Parece moda da Agaterra - avaliou. - O que queria o conde?
- Quando lhe disse que meu patrão havia ido à taverna, ele perguntou se eu poderia servir água aos soldados; não vi maldade na solicitação, e pedi que aguardassem no portão. Quando saí da cozinha com um jarro d'água, os homens já tinham entrado na casa e me seguraram pelos braços. Em seguida, o tal conde cobriu minha boca e nariz com um pano, molhado com alguma coisa de cheiro forte; eu respirei aquilo e apaguei na hora. Acordei somente hoje de manhã, procurei por Unice e pelo senhor Barfoot, mas nenhum dos dois estava em casa.
Oke encarou a mulher atentamente; ela parecia estar falando a verdade, o que era um aborrecimento. A última coisa que desejava era se meter num caso de pessoas desaparecidas, principalmente envolvendo nobres estrangeiros. Mas, como agente da lei, não podia furtar-se a investigar, ainda mais se estava envolvido alguém notório como Barfoot.
- Além de ter sido drogada, você sofreu alguma violência física? - Inquiriu o xerife.
- Felizmente, não senhor - redarguiu Dorcas, cabeça baixa. - Também não levaram nada lá de casa, ao menos que eu tenha reparado.
- Então, podemos deduzir que os alvos eram mesmo Rafe Barfoot e sua neta - ponderou o xerife. - Como não faz sentido sequestrar uma criança para exigir resgate e também levar a única pessoa em condições de pagar por ele, concluo que a neta foi levada para obrigar Barfoot a fazer ou revelar algo que ele não desejava.
- O senhor acha que eles ainda estão vivos? - Indagou esperançosamente a ama.
- Teremos que fazer diligências para apurar quem é esse conde Gowyr; mas acredito que há uma boa possibilidade de avô e neta ainda estarem vivos. Pelo menos, enquanto isso for conveniente para o sequestrador... - concluiu Oke.
[Continua]
- [14-07-2021]