O deus dos ofícios
Numa manhã ensolarada, o "Serpente Súbita" adentrou o porto de Jeryan Burar. A cidade, capital do reino de Yasurmaida, localizava-se no lado oposto à entrada do golfo de Buqis e se espraiava pelas colinas ao longo da costa, apresentando amplos setores residenciais com casas de adobe de dois pavimentos, caiadas de branco, em meio a palmeiras e tamareiras. Mais para o interior, algumas pirâmides alongadas, torres cilíndricas de arenito e grandes construções retangulares eram visíveis, mesmo a partir do mar. O porto, que abrigava centenas de embarcações em demanda dos portos de Zajahria, Siei Farjan e Kre Zargrea, registrava grande movimento e ninguém pareceu surpreendido pela chegada de um navio da distante Agaterra, embora tal acontecimento não devesse ser comum.
- Você vai acompanhar a mim e ao capitão, para contratar o alzahir - informou o conde Delwyn para Barfoot, tão logo lançaram âncora num dos berços de atracação do cais, requisitando ainda dois guardas para escoltarem o grupo. - E nem pense em fugir.
- Jamais iria fugir com minha neta presa no porão - redarguiu altivamente o guia.
- Melhor da sua parte nunca esquecer disso - retrucou Delwyn, fazendo um sinal a um dos marujos para que baixassem uma prancha pela amurada para que pudessem descer à terra.
No cais, dois oficiais da autoridade portuária, com seus tradicionais turbantes verdes e cafetãs azuis, aguardavam pelo desembarque do grupo.
- Sou o capitão deste barco, o "Serpente Súbita", de Agaterra - identificou-se Cadfael em sabir, a língua franca do comércio, com uma vênia aos yasurmaidanos.
- Bem-vindos à Jeryan Burar; eu sou Wasim Alrundi, fiscal aduaneiro - replicou o oficial mais velho, barba negra pontuda. - Qual é o propósito de sua estadia em Yasurmaida?
- Estamos a caminho do arquipélago das Jabubja, com uma carga de vinho - mentiu Cadfael. - Provavelmente, ficaremos aqui apenas um ou dois dias para reabastecer nossas provisões e conhecer a cidade.
- Fazem bem - aprovou Wasim. - Não há cidade mais bela do que Jeryan Burar em todo o golfo de Buqis, e posso providenciar guias para as melhores atrações locais, inclusive casas de pasto e bordéis.
- Podemos considerar isso... - desconversou Cadfael.
- Mas antes, naturalmente, terão que pagar as taxas alfandegárias - prosseguiu Wasim. - São 30 siclos yasurmaidanos por dia pela atracação, mais 1% do valor da sua carga segundo o manifesto, pago em prata.
Delwyn e Cadfael entreolharam-se.
- Acho que não temos manifesto... - admitiu Cadfael, coçando a cabeça sob a bandana.
- Creio que poderíamos fazer uma oferenda ao templo de Ijun, deus dos ofícios, para corrigir isso - sugeriu Barfoot, intrometendo-se na conversa.
- É uma proposta honesta, cavalheiro - assentiu Wasim, juntando as mãos. - De quanto seria a oferta?
Barfoot olhou para o conde.
- Que tal... uma mina de prata?
Delwyn estreitou os olhos.
- O templo ficaria muito satisfeito - acedeu Wasim.
- Pague - comandou Barfoot ao conde.
[Continua]
- [12-07-2021]