O Serpente Súbita
Embora assustada, ao menos Unice estava viva e aparentemente bem, constatou Rafe Barfoot ao ser levado à presença da neta, trancada numa cela no porão do "Serpente Súbita", o navio do conde Delwyn.
- Eu já estou aqui; libertem Unice e irei com vocês, sem resistência - assegurou o guia aos seus captores, depois de ser reconduzido ao tombadilho da embarcação, já em alto mar.
- Nem pensar, Barfoot - retrucou o conde Delwyn, expressão fechada. - Sua neta segue conosco, para garantir que você não vai tentar nenhuma gracinha.
O conde tinha ao seu redor soldados de couraça negra e um magote de marinheiros, todos de má catadura. Barfoot sabia que não poderia contar com o apoio de seus captores enquanto não ganhasse a confiança deles.
- Tenho a sua palavra de que se o levar até Iafane, seremos trazidos sãos e salvos de volta à Berwyg? - Indagou Barfoot, tentando ser conciliador.
- Tem a minha palavra de que se for comigo à cidade perdida, não só eu o libertarei e à sua neta, como receberá o triplo do pagamento que cobrou na sua última expedição - replicou o conde.
- Deve saber que nunca guiei nenhum grupo até a cidade perdida - objetou Barfoot. - Mesmo pelo triplo do preço.
Delwyn cruzou os braços.
- Mas você é o único guia vivo que ao menos viu as torres dela - redarguiu. - Para mim, isso basta. Se chegarmos até esse ponto, lhe dou minha palavra de que poderá retornar ao navio.
E para que não restasse nenhum dúvida sobre a situação precária em que o guia se encontrava:
- Os termos do nosso acordo, são eu quem os faz, Barfoot; e é bom que você não se esqueça disso, daqui por diante. Agora, é hora de explicar ao capitão Cadfael qual é a melhor rota para Iafane.
Cadfael, um sujeito magro e queimado de sol, com uma cicatriz na face esquerda, deu um passo adiante. Barfoot respirou fundo.
- Já navegou pelo estreito de Alafait, capitão? - Indagou.
O lobo do mar coçou a cabeça sob uma bandana listrada.
- Essa é a sua melhor rota para Iafane? - Questionou.
- Nesta época do ano, prefere se arriscar a ficar preso nas calmarias do Mar Sonolento, capitão? - Retrucou Barfoot.
Como Delwyn estava acompanhando a conversa de perto, Cadfael não pôde mentir.
- Eu acharia melhor esperar até o outono para fazer a viagem... mas o conde está com pressa - admitiu o capitão.
- Então, teremos que nos arriscar pelo estreito - determinou Barfoot.
- O que há em Alafait? - Inquiriu o conde.
- Serpentes marinhas - informou secamente Barfoot. - Elas sobem das profundezas toda noite, e azar de quem estiver passando pela superfície.
- Dá tempo de passar durante o dia? - Indagou o conde.
- Sim - assentiu Barfoot. - E é torcer para que os cinocéfalos que habitam nas duas margens da Vastilânia estejam calmos e bem alimentados. De outra forma, poderão querer nos atacar das escarpas que cercam o estreito.
Sem parecer impressionar-se com as perspectivas difíceis do percurso, Delwyn deu um tapinha amistoso no ombro de Barfoot e comentou:
- Lembre-se sempre de que a segurança da sua neta está em jogo, guia.
E ordenou que Barfoot fosse colocado na mesma cela onde Unice estava.
[Continua]
- [10-07-2021]