A noite do ritual

E, ao crepúsculo do dia marcado, Keren bat Tidhar e Ilor bat Chemdat encontraram-se com Jessabel, a cananeia, ao pé da colina do santuário de Asherah. Após os cumprimentos de praxe, Jessabel voltou-se para Ilor e perguntou pelo pagamento.

- Adiantado? - Questionou Ilor, sobrancelhas erguidas.

- Por quê? Acha que posso esperar pelo parto para receber? - Retrucou a sacerdotisa, mãos nas cadeiras. - Não sou parteira!

- Bom, mas é que eu nem sei se isso vai funcionar... - recalcitrou Ilor.

Jessabel olhou para Keren, punhos cerrados.

- Vocês acham que eu não tenho nada melhor para fazer nas noites de lua cheia?

- Calma, Jessabel - Keren ergueu as mãos. - A Ilor só está um pouco nervosa, por toda essa situação, você sabe... mas ela concordou em pagar, não é, Ilor?

- Se ela REALMENTE quer o seu útero aberto, é bom estar com a prata - replicou Jessabel, braços cruzados.

Ilor suspirou, dando-se por vencida.

- Está bem, está bem... me desculpe, eu estou mesmo nervosa... tudo isso é tão estranho...

Retirou uma peça de prata de uma dobra da túnica e a depositou na mão aberta da sacerdotisa, que sopesou o pedaço de metal com a habilidade de quem estava acostumada a fazer aquilo sem precisar de balança.

- Certo, agora estamos falando a mesma língua - aprovou Jessabel, guardando o shekel entre os seios. - Keren, você espera aqui; Ilor sobe comigo.

- Por que ela não pode subir? - Questionou Ilor apreensiva.

- Você também tem problemas de útero fechado, parteira? - Inquiriu secamente Jessabel.

- D'us me livre - retrucou Keren. - Tenho um casal de filhos saudáveis.

- Pois então, somente Ilor sobe - retrucou Jessabel, pegando a outra mulher pelo braço. - Vamos!

Ilor ainda se virou para Keren, visivelmente assustada, mas a parteira apenas balançou negativamente a cabeça, como quem pede desculpas. "Foi você quem quis vir", pensou. "Agora, se vire".

Antes de começar a subir a colina, cujo topo se recortava contra o céu ainda iluminado pelo pôr do sol, Jessabel deu um último aviso a Keren:

- Ouça o que ouvir, faz parte do ritual. Não suba a colina!

- Não vou subir - prometeu Keren.

* * *

Em frente ao poste de Asherah, no topo da colina, havia uma manta enrolada que Jessabel estendeu, como um tapete. Depois, vendou os olhos de Ilor com uma faixa de linho e acendeu duas lamparinas de azeite presas a árvores próximas, pois a noite estava caindo.

- Deite-se, barriga para cima - comandou a sacerdotisa, guiando Ilor pela mão.

A infértil procedeu conforme ordenado. De costas para ela, e de frente para o poste, Jessabel ajoelhou-se e ergueu os braços, palmas para a frente.

- Oh grande Asherah, vós que caminhais sobre o mar! Atendei a minha prece! - Invocou Jessabel. - Vinde abrir o útero fechado desta mulher que esqueceu como trilhar os teus caminhos!

Baixou os braços e virou-se para Ilor.

- Agora, levante a túnica até a cintura, e abra as pernas - ordenou.

- Como é? - Questionou Ilor, aturdida.

- Faz parte do ritual - afirmou Jessabel em tom tranquilizador, enquanto apanhava um pequeno vaso ao lado do poste e derramava seu conteúdo sobre o baixo-ventre de Ilor. Era azeite, ela logo percebeu.

Jessabel ajoelhou-se novamente em frente ao poste e exclamou:

- Vinde El, real consorte de Asherah, plantar a semente neste útero!

Ilor percebeu que havia mais alguém ali; uma presença. E depois, sentiu as mãos e o cheiro de um homem sobre ela. E dentro dela.

* * *

Keren apertou os olhos ao ver uma luz que tremeluzia entre as árvores na encosta da colina. Pouco depois, vislumbrou os vultos de Jessabel e Ilor.

- Sua amiga foi abençoada - afirmou a sacerdotisa, entregando Ilor à parteira. E, ajeitando o véu sobre os cabelos da infértil:

- Recomendo que só se lave amanhã; costuma fazer mais efeito.

- Se lavar? - Questionou Keren.

- O azeite... - murmurou Ilor, olhos baixos. - O azeite.

- E se for um menino, você me deve mais uma peça de prata - alertou Jessabel.

- Sim, eu entendi - Ilor apenas balançou a cabeça, sem erguer a vista.

A sacerdotisa ficou ali parada, segurando a lamparina, enquanto as outras duas se afastavam. Quando desapareceram na noite, as moitas atrás dela se abriram e revelaram a figura de um homem alto e forte, barba negra.

- Grata pela colaboração, Hammon - disse Jessabel, iluminando o rosto dele.

- É sempre um prazer poder cumprir os desígnios da deusa - redarguiu Hammon, piscando um olho.

E passando um braço por sobre os ombros de Jessabel, começou a seguir com ela pelo caminho oposto ao que Keren e Ilor haviam tomado.

[12-06-2021]