No santuário de Asherah

Cabeça e rosto cobertos por um véu para não ser identificada por algum conhecido, Keren bat Tidhar subiu ao topo da colina onde sabia que poderia encontrar a cananeia àquela hora do dia. Encontrou-a ajoelhada em adoração, braços abertos, em frente ao poste de Asherah, plantado em meio às árvores que cresciam no alto da elevação. A cananeia lançou um rápido olhar para a recém-chegada, mas continuou com seu ritual, o qual concluiu tocando o solo com a cabeça por três vezes. Só então, ergueu-se e, limpando a terra da túnica, dirigiu a palavra à parteira.

- Então, Keren bat Tidhar... o que a traz ao meu pequeno santuário?

- Bem, Jessabel... gosto de pensar que estamos trabalhando pela mesma causa, embora de maneiras diferentes - declarou diplomaticamente a parteira. - Me foi dito que o seu método de reversão de infertilidade funciona em nove de cada dez casos... isso é mais efetivo do que qualquer simpatia ou oferenda feita no Templo em Jerusalém.

A sacerdotisa deu uma risadinha.

- Homem nenhum vai reconhecer que a deusa entende mais de assuntos femininos do que eles; mas nós somos gente do povo, não é, Keren? E gente do povo sabe o que é mais adequado para ela.

Essa era uma questão delicada, e Keren sabia precisamente o porquê daquelas palavras. Não se constituía exatamente num segredo que, dentre a população rural, o culto à Asherah continuasse arraigado. A Mãe, plantada na terra, parecia mais próxima aos camponeses do que o Pai, no alto dos céus.

- O que sei é que muitos reclamam por ter que sustentar o Templo e seus sacerdotes - reconheceu Keren. - E que, antes dos Juízes, havia mais liberdade de culto.

- Mesmo entre a nobreza, ainda há quem siga as velhas tradições - redarguiu Jessabel. - Mas não admitem isso publicamente para não entrar em conflito com seus líderes religiosos, e é conveniente nos ter por perto para jogar a culpa, caso algo saia errado e suas orações no Templo não sejam atendidas.

Keren nada disse, pois sabia que aquilo era verdade.

- Desculpe... sei que não veio aqui discutir política - disse Jessabel. - A quem deseja prover com as bênçãos da deusa?

Keren bat Tidhar fez um resumo da situação de Ilor bat Chemdat. A sacerdotisa ouviu, com as mãos entrelaçadas à altura do peito; por fim, manifestou-se.

- Você conhece o marido dessa mulher?

- Sim.

- Ele se parece com alguém que ambas conheçamos?

Keren pôs a mão no queixo, pensativa.

- Bom... lembra o Yehonadav, o comerciante de vinhos. Um pouco mais gordo, talvez.

De olhos fechados, Jessabel tocou na testa com o polegar esquerdo.

- Yehonadav... sei quem é.

E abriu os olhos.

- Creio que posso resolver o problema dela, - declarou - mas vai custar um shekel de prata.

- Ilor tem como pagar - replicou Keren.

- Então, traga ela aqui no crepúsculo da próxima noite de lua cheia; apenas vocês duas, que fique bem claro.

Keren ficou pensando que desculpa daria em casa para sair à noite, mas o ofício de parteira felizmente lhe dava certa margem de manobra.

- Está bem - assentiu.

- E você? O que recebe em troca? - Indagou Jessabel, braços cruzados.

- Se tudo correr bem, serei paga quando a criança nascer - afirmou confiantemente.

E, ajeitando o véu sobre a cabeça:

- Poderia fazer com que seja um menino?

Jessabel fez uma careta e apontou a trilha que descia para a base da colina.

- Saia daqui, antes que a deusa se ofenda com a sua presença.

[Continua]

- [11-06-2021]