A parteira e a estéril

À medida em que a estranha diante dela desenrolava sua história, crescia o desconforto de Keren bat Tidhar; pegou-se ajeitando o véu sobre a cabeça e mexendo nas contas de alabastro do bracelete no pulso esquerdo. Quando finalmente a narrativa foi concluída, juntou as mãos, pensando no que iria responder.

- O que me diz? - Indagou a visitante em expectativa, mãos entrelaçadas no colo.

- Estou aqui me perguntando se veio ter com a pessoa certa - redarguiu cautelosamente. - Como sabe, sou parteira, não curandeira ou sacerdotisa.

Sobre não ser curandeira, tratava-se de uma meia verdade. Mas o tipo de cura que a estranha demandava não era muito bem visto na comunidade onde a parteira vivia; e, provavelmente, em parte alguma de Israel. Definitivamente, ela não mexia com aquilo.

- Mas você conhece pessoas... - insistiu a outra mulher, em tom súplice.

Sim, Keren bat Tidhar conhecia pessoas; algumas, até em posições de poder. Todavia...

- Como é mesmo o seu nome? - Indagou.

- Ilor bat Chemdat - repetiu a mulher.

- Certo, Ilor... vou tentar lhe explicar como isso funciona... e estou falando em teoria, não tenho experiência direta com esse tipo de... ocorrência.

- Mas você é parteira - redarguiu Ilor.

- Trago crianças ao mundo, sim - reconheceu Keren. - Resolver problemas de infertilidade não está entre as minhas atribuições, que fique bem claro.

- Entendo - assentiu Ilor.

- Pois bem, - prosseguiu Keren - você se considera uma mulher temente a D'us, faz suas doações para o Templo regularmente?

- Sim, e sempre que posso - afirmou Ilor.

"O que parece não estar sendo suficiente", pensou Keren. Mas o que verbalizou, foi:

- Então, suponho que procurou algum sacerdote para falar sobre o seu... problema.

- Decerto; e a resposta foi que, muito provavelmente D'us estava me punindo por alguma falta, e que eu deveria me arrepender dos meus pecados para que ele abençoasse meu útero.

"Típico", pensou Keren.

- Que idade tem seu marido, Ilor?

- Ele era homem feito quando nasci, e quando enviuvou, alguns anos depois, casou-se comigo.

- Não teve filhos com a primeira esposa? - Questionou Keren.

- Não. Ela também era estéril - foi a resposta amargurada.

- Adoção está fora de opção? - Sondou a parteira.

- Seria a minha desgraça - admitiu a outra.

Keren não aventou a hipótese do marido de Ilor tomar uma segunda esposa: já havia concluído que, se havia alguém estéril naquele matrimônio, certamente não era a mulher.

- Talvez tenha como lhe colocar em contato com uma pessoa que poderá lhe ajudar - sugeriu. - Mas devo adiantar que, diferentemente de mim, ela só aceita pagamentos em prata... e é cananeia.

Ilor pousou as mãos sobre os joelhos e encarou a interlocutora.

- Se eu puder conceber um filho saudável, estou disposta a fazer o que for necessário - declarou com determinação.

- Volte em três dias. Terei uma resposta para lhe dar - prometeu Keren.

[Continua]

- [10-06-2021]