Todos merecem evoluir

Sarah caminhava pela floresta de Tamug, galhos nus e negros erguendo-se sobre sua cabeça. Não se ouvia ruído de pássaros ou de qualquer outro animal, e a terra estalava sob seus pés, como se nenhuma umidade ali chegasse. Mesmo o vento parecia ter cessado de soprar. Finalmente, após um tempo que lhe pareceu excessivamente longo, embora não tivesse como medir a passagem dado a luminosidade mortiça e invariável que vinha do céu nublado, avistou uma velha torre de pedra circular, no centro de uma grande clareira; e, em frente à torre, um tanque circular com uma mureta de pedra. Sarah abriu o saquinho de sementes e atirou uma à água, que borbulhou como se algo fervesse dentro dela.

- Quem me perturba? - Indagou uma voz profunda vinda do tanque.

- O chefe Khasan me enviou - informou Sarah, mãos na cintura. - Ele reclama que você não tem permitido que os mortos cumpram suas penas e assim possam renascer ou ascender para Kurys.

- Com qual autoridade você toma o partido dos espíritos do Tamug? - Questionou a voz.

- Sou alguém que tem livre trânsito entre os três mundos - replicou Sarah altivamente. - Sou uma guardiã.

Um ruído gorgolejante veio do tanque.

- Percebo - disse finalmente. - Mas no Tamug só está gente má, como deve ser do seu conhecimento: criminosos, assassinos, ímpios, traidores...

- Está descrevendo aqueles que vieram do plano material para cá - redarguiu Sarah. - E, mesmo estes não estão condenados à danação eterna; podem, ao menos, optar por reencarnar e tentar progredir numa outra vida. Por outro lado, vi crianças que certamente nasceram aqui e que não são culpadas de nenhum crime.

- Creio que faço-lhe um favor não permitindo que estes espíritos voltem ao plano material - ponderou a voz.

- Isto não cabe a mim ou a você decidir - atalhou Sarah. - Há regras a serem cumpridas, e você não está agindo de acordo com elas.

- No meu reino, eu mesmo decreto as regras a serem seguidas - desdenhou a voz.

- Se você está disposto a descumprir o que foi acordado, só me resta lembrar que seus poderes não são absolutos - retrucou Sarah.

Rapidamente, cavou quatro covas no que seriam os pontos cardeais em torno da torre, e em cada um deles jogou uma semente de arfe, cobrindo-as em seguida com terra. Finalmente, com as mãos em concha, apanhou água no tanque e a despejou sobre cada um dos buracos.

- Isso não é justo! - Exclamou a voz do tanque.

Sarah ignorou-o e olhou para o alto; as nuvens cinzentas começaram a movimentar-se como que impelidas por um vento furioso. Um trovão ouviu-se à distância.

Antes de retomar seu caminho para o acampamento de Khasan, ela olhou uma última vez para a cova mais próxima: um fiapo verde havia surgido da terra molhada.

* * *

A chuva foi camarada e aguardou até que Sarah estivesse em segurança numa tenda osebi. Depois, caiu com vontade, como se não o fizesse há muitos anos.

- Vai ficar assim por algum tempo, depois o solo vai permitir que plantem algo melhor para comer - comentou Sarah para Khasan, enquanto espíritos esquálidos pulavam alegremente debaixo da água que caía dos céus. - O certo é que agora vai haver chuva, ao menos de vez em quando. A floresta vai se recuperar e os animais voltarão.

- Só queríamos uma chance justa para evoluir - declarou o chefe. - E já que cumpriu a sua parte no acordo, está na hora de cumprir a minha.

Fez um aceno para uma tenda vizinha, e dois guardas surgiram, com um terceiro homem entre eles. Correram sob a chuva, até onde Sarah estava, e finalmente, ela viu-se frente à frente com o xamã Geberaty.

[Continua]

- [10-05-2021]