O prisioneiro do khatun

O carcereiro encarou com suspeição o grupo que desceu as escadas de pedra para a masmorra, mas os soldados calmucks que acompanhavam Sarah e Danylo, bem como o salvo-conduto do khatun, o tranquilizaram.

- Se não vieram aqui para matar ou libertar o prisioneiro, não há nenhum problema em vê-lo - advertiu.

A masmorra do palácio da Pedra Partida estava com baixa ocupação, já que basicamente era destinada a prisioneiros importantes ou de famílias nobres. Os calmucks geralmente preferiam empregar prisioneiros comuns em atividades mais produtivas, como trabalhos forçados; ao menos, aqueles prisioneiros cujos crimes não implicassem em execução sumária.

Tendo o carcereiro como guia, o grupo percorreu um corredor iluminado por archotes, até chegar diante de uma cela mergulhada na penumbra, cuja porta estava fechada por uma grossa grade de barras de ferro. Ao fundo da mesma, havia um banco de pedra preso a parede por correntes, no qual estava sentado cabisbaixo um rapaz moreno, cabelos desgrenhados, vestido unicamente com uma túnica encardida.

- Ruslan! - Exclamou Danylo, agarrando-se à grade.

- Pai! - Gritou o rapaz, erguendo-se de um pulo.

- Fique onde está - alertou o carcereiro, molho de chaves nas mãos. - Seu pai e a guardiã vão entrar para falar com você.

Ruslan Darchiev parou, braços caídos ao longo do corpo numa demonstração de impotência. A grade foi aberta e os visitantes entraram.

- Chamem, quando quiserem sair - alertou o carcereiro, fechando a grade por fora e retirando-se com os soldados.

Danylo e Ruslan abraçaram-se longamente.

- Desculpe por não estar vindo lhe libertar, - lamentou-se Danylo - mas a guardiã Sarah veio e espero que possa nos ajudar.

- Vim para avaliar a situação - redarguiu Sarah em tom neutro, após apertar a mão do rapaz. - E para isso, preciso saber exatamente o que aconteceu.

- Eu sou... eu era aprendiz do xamã Geberaty - declarou Ruslan, expressão angustiada. - Meu mestre era conhecido pelas viagens astrais que fazia a Kurys, e por isso caiu nas graças dos calmucks de Vorkovo.

- Não são muitos os que conseguem visitar a terra dos mortos e voltar para contar a história - avaliou Sarah. - E Geberaty trouxe algo para comprovar a façanha?

Ruslan balançou afirmativamente a cabeça.

- Sementes de arfe... ele dava algumas para o khatun, como agradecimento pela proteção, mas a maioria escondeu num local secreto... nem mesmo eu sei a localização - admitiu.

- A tentação poderia ser grande demais - disse Sarah. - E não, não estou fazendo um julgamento de valor. Como Geberaty morreu?

- Numa noite, há coisa de duas semanas, estávamos apenas eu e ele na tenda onde recebíamos os clientes, no bairro do Porto - recordou Ruslan. - Geberaty já havia encerrado os trabalhos do dia, e me pediu que fosse até uma taverna próxima para comprar uma bandeja de osuri e uma jarra de cerveja para o jantar. Voltei, comi e bebi um pouco com ele, me despedi e fui embora...

- O xamã estava perfeitamente bem quando meu filho o deixou - assegurou Danylo.

- Exato - assentiu Ruslan. - E então, na manhã seguinte, fui até a tenda e encontrei meu mestre morto, caído na sala, um pedaço de osuri na mão e farelos na boca.

- E o que você fez? - Inquiriu Sarah, braços cruzados.

- O que qualquer cidadão consciente faria: chamei a guarda da cidade - afirmou Ruslan.

- Os quais são osebi, suponho - comentou a guardiã, mão no queixo.

- Sim - assentiu Ruslan, indignado. - E eles me acusaram de ter envenenado meu mestre e me entregaram aos soldados do khatun, já que meu pai é um noyon!

- Faz sentido - observou calmamente Sarah. - Quero dizer, a parte de que você deveria ser julgado pelas leis dos calmucks, já que seu pai serve ao império.

- Assim como eles - ressaltou Danylo, erguendo o indicador. - Vorkovo é uma província do império, toda a administração local está sob o controle do khatun.

- Nenhuma dúvida - assentiu Sarah. - Mas estou começando a desconfiar que há grupos de osebi descontentes com seus concidadãos que mantém relações muito próximas com o império... mesmo que, ao fim, todos sejam súditos deste mesmo império.

- Eu lhe disse, pai - Ruslan voltou-se para Danylo, muito sério. - Armaram pra mim, e foi nossa própria gente!

- Tenho que concordar com Ruslan - comentou Sarah para Danylo. - Alguém planejou o assassinato de Geberaty, que era uma figura respeitada pelos calmucks, e aproveitou para atingir indiretamente você, através do seu filho; dois coelhos, com uma só cajadada.

- Por favor, diga que tem algum jeito de provar minha inocência - suplicou Ruslan.

Sarah lançou-lhe um olhar especulativo.

- Geberaty está morto; talvez tenha chegado a hora de eu mesma fazer uma visita a Kurys e ouvir o que ele tem a dizer.

[Continua]

- [07-05-2021]