Minha passagem por Osório, a caçada

Não me recorco com certeza o ano, mas acredito que foi em 1977. Já haviamos nos mudado para a cidade de Osório e estavamos estabelecidos em uma casa quase ao lado da casa de nossa avó, a qual nasceu no dia 25 de dezembro e seu nome era Laurentina Lopes da Silva. No mesmo terreno onde residia nossa avó, morava o Tio Colissi e Tia Teresa. Tio Colissi era descendente de Italianos que fixaram residência no final do seculo XIX na colonia de Porto Cachoeira e em 1992 foi denominada cidade de Maquiné. Ele gostava muito de caçar, provavelmente herança de seus ancestrais que vieram da europa e mantinha um aparato formidável de armas de caça. Duas calibres 12 de dois canos, um normal e outro montado, uma 16 e muitos cartuchos de cobre recarregáveis. Meu Irmão mais velho, Tabajara, tinha uma 16 e meu pai uma 12 de dois canos montados. Meu pai era torneiro mecânico na época e tinha muita afinidade em desenvover soluções mecânicas para tudo. Para encher os cartuchos, o velho criou uma engenhoca que facilitou a recarga dos cartuchos de cobre. Eu e mes irmãos ficávamos uma tarde inteira antes das caçadas recarregando os cartuchos. Primeiro se coloca a espoleta, depois uma carga de pólvora, depois uma bucha de papelão, aperta a bucha até encostar na pólvora, uma carga de chumbo fino ou grosso e outra bucha de papelão para lacrar o cartucho. Uma operação muito rápida, mas que precisa ser realizada com cuidado para que o cartucho não seja detonado no seu rosto. A cidade de Osório possuiu muitas lagoas ao seu redor e é um lugar onde os marrecões da Patagonia e as marrecas piadeiras param quando da sua migração para o Brasil. Nesta década de 1970 ainda era permitida as caçadas por caçadores registrados e Tio Colissi era um deles. Meu pai, Tio Colossi, Tio Zenon e outros amigos, combinaram uma caçada de dois dias no começo do verão, onde os marrecões e as marrecas piadeiras comecaram a chegar na região. Carregamos muitos, mas muitos cartuchos, separamos os chamariz de marrecas, que são uma cópia de uma marreca em isopor que fica boiando na água para charmar a atenção das marrecas de verdade, as roupas de borracha, uma barraca, alimentação, linguiça, cachaça, caniços de pesca, enfim, tudo que se pode imaginar que possa ser usado em uma caçada. O tio Aldo, que também estava junto, é um plantador de arroz na região e conseguiu um local maravilhoso com um conhecido. Uma fazenda enorme com uma grande lagoa no seu interior. Pegamos a estrada em direção a Tramandaí e após uns 10 km, entramos a direira e mais uns 10 km de chão batido e chegamos no local do acampamento. Montamos a barraca, o fogareiro a gás, os quartos com mosquiteiros, colchonetes, mochos de madeira, separaram os artefatos de caça, as armas, cartucheiras, chamariz, e sairam em direção a lagoa em um pequeno Jipe do tio Colissi para preparar o local para a caçada. A estrada de acesso até a lagoa era de areia e recortada de pequenas sangas, mas o Jipe passava folgado por todas elas. No local, começaram a cortar galhos de um pequeno arbusto chamado de Vassoura na localidade e montaram casas matas na encosta da lagoa, perto dos juncais e já fixaram cada qual em um canto para iniciar a caçada no cair da noite. Quando esta chegou as marrecas e os marrecões começaram a surgir para se abrigarem na lagoa e os tiros das espingardas começaram. Os disparos eram muitos e ensurdecedores, pois um tiro de 12 faz muito barulho. As aves não tinham a menor change, pois um tiro de 12 com um chumbo específico se espalha muito e atinge o alvo sem a menor dificuldade. A minha função era recolher as aves e juntar em um canto e colocar em isopores para serem transportadas. Depois de algumas horas, retornamos com o Jipe cheio de marrecas e marreções e devido a falta de espaço, alguns retornaram a pé para o acampamento. O tio Zenon tinha ficado no acampamento para fazer a comida e quando chegamos, já nos esperava um arroz com linguiça e uns 3 litros de cachaça para o aquecimento. Meu pai reclamou da quantidade de linguiça no arroz, pois parecia que tinha sumido, mas levando em conta o estado que o Tio Zenon estava, pois parecia ter bebido metade do garrafão de cachaça e petiscado metade da linguiça, e está história ficou para sempre nos contos da família. No outro dia seguinte, os homens novamente foram ao local de caça, caçaram muitas aves e retornaram no final da manhã para desfazermos o acampamento e retornar para casa. O outro carro que utilizamos era um Dorginho Polara Tucano e o Tio colossi amarrou as marrecas uma por uma em uma corda e cruzou o carro com a carga de marrecões, para tirar umas fotografias. Para mim, esta caçada, foi uma experiência inesquecivel, pois pela primeira vez, peguei em uma arma de caça e pude inclusive dar um tiro com a espingarda. Para um menino foi uma experiência única. Retornamos para a cidade, onde as mulheres já esperavam para limparmos as marrecas e marrecões para serem congelados e posteriormente serem cozidos com arroz ou assados . Esta época se foi, pois hoje a caça está proibida e respeitamos muito estas determinações, pois a natureza está se desfazendo frente ao homem, inclusive na região, os primos e os amigos que ainda vivem, tornaram suas terras em locais de preservação permantente e respeitam muito a natureza, pois a conta está chegando. Saudades, sim, da companhia de meu falecido Pai, falecidos Tios Colossi e Zenon, da companhia dos amigos da região e hoje não consigo matar nem uma mosca, por respeito a vida.