FAROLEIRO FANTASMA

Alberto Vasconcelos

Na parte mais a Leste do promontório da Ilha Bela, fustigado pelo fragor das violentas ondas, como um colossal herói das lendas gregas, ergue-se o Farol das Gaivotas, esguio como uma lança escura fincada no azul do mar. O ano de sua construção se perdeu nas sombras do tempo e os percalços que cercaram esse acontecimento, as doenças e os desaparecimentos misteriosos dos presidiários encarregados de lavrar e colocar as suas pedras negras se transformaram em histórias arrepiantes, quase lendas, transmitidas oralmente entre várias gerações. A manutenção das equipes de construção era refém da perícia dos comandantes das frágeis embarcações que vinham de longe para abastecer o acampamento e, muitas delas, não conseguiram cumprir a missão. O tempo passou e as novas tecnologias de navegação, apagaram de vez o feixe de luz circulante do velho farol, mas não conseguiram apagar as muitas histórias a seu respeito. O primeiro faroleiro foi um presidiário, condenado à prisão perpétua, que pediu e o governo concedeu, para ser o encarregado da manutenção do farol. Ainda hoje, no lado esquerdo da escada helicoidal da torre, pendurado no gancho fincado na parede de pedra está o grilhão com a bola de ferro na ponta que esteve preso ao seu tornozelo até o último momento de vida. Seu nome? Talvez fosse João ou algo parecido, como o som dos trovões que despertam o seu fantasma que aparece nas noites de tempestade, circulando no alto do farol, com a capa de oleado lutando em desespero a fim de reacender o facho de luz. Outros dizem ter visto a esposa de João que foi estrangulada por ele e jogada ao mar. Gritos graves e gemidos, assobios, fragmentos de frases, fazem parte desses relatos. Os raros visitantes sentem a sensação de que não são bem-vindos e dizem que a temperatura da algema no grilhão é como se estivesse em contato com algo vivo. O Trabalho de Conclusão de Curso dos jovens Marcelino e Zenaide, intitulado A HISTÓRIA DO FAROL DAS GAIVOTAS, REALIDADE E FICÇÃO, seria feito com pesquisa bibliográfica, entrevistas nas comunidades próximas da Ilha Bela e visita ao farol para fotos e coleta de algo importante.

Cléa Magnani

E foi na viagem que os dois fizeram ao tenebroso local, com tempo para a investigação, que tudo aconteceu. Ao serem deixados na ilha pelo barqueiro, às dez horas da manhã, o experiente marinheiro lhes disse que viria buscá-los às catorze e trinta, pois teria outro compromisso, mais tarde. Marcelino disse que seria muito cedo; pretendia fotografar o pôr do sol tendo o farol como parte do cenário, e ligaria para o estaleiro quando pretendessem voltar; estava com seu celular. O barqueiro se foi. A manhã estava linda, o céu azul, e o sol radiante, com o mar calmo daquela sexta feira. Gaivotas sobrevoavam a ilha com seu canto estridente. Zenaide anotava tudo em seu tablete, enquanto o rapaz filmava e fotografava os detalhes mais interessantes para a pesquisa. Ao subirem os degraus da escada e encontrarem a corrente com a bola de ferro, não conseguiram deixar de tocar as algemas para comprovar a lenda. E as algemas estavam mesmo mornas, como diziam! Os dois entreolharam-se e riram, pois, os raios de sol que trespassava a falta de cimento entre as lajes da torre naquela época do ano, incidia exatamente no lugar onde a corrente ficava dependurada, desfazendo assim a tal lenda... subiram correndo e rindo, a escadaria em caracol e descortinaram a bela paisagem. As imagens que obtinham a cada foto, renderiam um trabalho fantástico! Porém o dia passou, e por volta das dezessete horas o tempo mudou completamente. Marcelino tentou ligar pedindo para buscá-los, mas estavam sem sinal. O vento encapelou as ondas, e o ruído era amedrontador, ao rebentá-las nas pedras. Grossas nuvens cobriram o céu e a tempestade desabou. Zenaide tremia de frio pois a chuva escorria escada abaixo e o vento rodopiava, ensopando os dois jovens... Marcelino tentou ligar outras vezes, mas a bateria do celular muito usada nas fotos e vídeos se acabara. A noite caiu e a luz do celular não acendia mais. O tablete com a luz de sua tela era a única claridade que lhes restava. Ninguém sabia onde eles estavam. O barqueiro que os trouxe pensava que eles houvessem chamado outro barco.

Sílvia Grant

Todo aquele interesse, aquela alegria e jovialidade mostrada em relação à pesquisa no início do TCC dos estudantes Marcelino e Zenaide começou a abalar-se quando a pesquisa se transformou “in loco”. Quanto mais escurecia, mais aumentava a dramaticidade da situação, levando os dois adolescentes a aflorar seus sentidos e sentimentos já bastante exacerbados, pela contribuição dos conhecimentos prévios da conturbada história do farol e seu faroleiro João. É incrível o que a solidão com a contribuição de mitos e efeitos da natureza associados à escuridão e ao medo, são capazes de fazer. Marcelino e Zenaide estavam impressionados e tudo começava a contribuir para isso. Os gritos das gaivotas foram comparados à gritos de marinheiros reencarnados. Começaram a ouvir passos, batidas nas paredes e arrastar de grilhões pelas escadas. As ondas do mar nunca pareceram tão altas, tão violentas como também os raios que, praticamente eram a única luz a infiltrar-se pelas janelas e frestas do farol, imediatamente seguidas por estrondosos trovões que se faziam ecoar até mesmo através de seus corpos. A sensação era de que as pedras, a base do farol, se moviam no fundo do oceano. Parecia que uma fenda se abria na rocha onde as ondas geradas pelo mar bravio pelas rajadas de vento. Era uma verdadeira borrasca. Com frio, medo e fome, Zenaide sentia ânsias e tonturas, o que tornava a atmosfera ainda mais miserável. Marcelino e Zenaide fecharam seus olhos bem apertados, mas nem isso fez com que deixassem de se sugestionar, de sentirem que o farol se afundava, enquanto eram atirados como se fossem joguetes nas mãos de enormes monstros marinhos vindouros das profundezas do oceano, dispostos a exterminá-los a qualquer momento. Nada mais conseguiria ser racionalizado a partir daquele momento. A associação de referências mitológicas com simbologias destrutivas, o medo, a incerteza os levaram a um estado psicótico. O estado de pavor se instaurara, chegaram à tênue linha entre a realidade e a loucura. Forças sobrenaturais atuavam livremente sobre suas mentes agora e, não conseguiam mais discernir o real do imaginário. Estavam aterrorizados.

Aristeu Fatal

As horas não passavam, a todo momento os dois eram sobressaltados pelas trovoadas, amedrontados pela gritaria das gaivotas, o vento batendo forte no farol, fazendo com que os grilhões do prisioneiro João reverberassem sons esquisitos. Um pouco mais calmo, Marcelino tendo encontrado um local que apresentava mais segurança, chamou Zenaide para ali se acomodar junto a ele. Lembrou-se de que havia trazido umas barras de chocolate e alguns pacotes de biscoito em sua mochila. Assim, mais acomodados, conseguiram até dormir. O dia amanheceu lindo, o sol resplandecente, uma brisa refrescante, e a paisagem vista do farol era deslumbrante. O mar calmo, as águas azuladas motivaram os estudantes a fazer um breve tour pela ilha, aproveitando para um reanimador banho na formosa praia. A ilha, de fato, merecia o nome pelo qual era conhecida. Voltando para o farol, não notaram nada de anormal em sua aparência, o que deu a entender, que os acontecimentos havidos durante a noite, eram normais. Zenaide, como sempre fazia em situações semelhantes, trazia um livro para se distrair, tirando da mochila Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, seu autor preferido. Para aqueles momentos passados, nada melhor. Durante a leitura, de vez em quando repetia frases a Marcelino, frases de motivação do tipo “o mais importante na vida é olhar em frente e alcançar a perfeição naquilo que mais gosta de fazer”. Ou “não creia no que os seus olhos lhe dizem. Tudo é limitação. Olhe com o entendimento”. Marcelino, por sua vez, lembrou-se de ter lido um livro de Paulo Vianna, A Ilha Anchieta e Eu, coronel da Força Pública do Estado de São Paulo, então diretor do presídio que havia naquela ilha, que narra o motim havido em 20 de junho de 1952, promovido pelos presos, todos de alta periculosidade, com a morte muitos destes, como de muitos militares que prestavam serviço no local. Uma narrativa nada igual à da Ilha Bela, mas que mostra situações enfrentadas em lugares semelhantes, tendo um parente seu morrido naquele triste evento.

De repente, olhando no horizonte, viram um barco vindo em direção à Ilha Bela

Cléa Magnani, Alberto Vasconcelos, Aristeu Fatal e Silvia Grano
Enviado por Cléa Magnani em 03/04/2021
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