OS ENCANTADOS DO MEANDRO ABANDONADO

OS ENCANTADOS DO MEANDRO ABANDONADO

A gigante índia Juma do rio Açuã

Autor: Moyses Laredo

Os Juma são um povo indígena do sul do Estado do Amazonas, na região do rio Açuã ou Assuã. Habitam essa região do Açuã, próximo à cidade de Lábrea, ao sul do Estado do Amazonas. O rio Açuã é um afluente do rio Mucuim, que por sua vez deságua no rio Purus. Os Juma, falam a língua Kagwahiva, uma subfamília linguística dos Tupi-Guarani. Lá morava, separada da sua tribo, uma índia de nome Boreharuá, legítima representante da tribo Juma, muito alta, de tez branca, possuía uma característica inconfundível, tinha os pés enormes para uma mulher, coisa de número 45. Morava com o companheiro, um índio da etnia Uru-eu-wau-wau, chamado Aruaká, nome herdado de seu pai em homenagem ao grande cacique Aruká. A ela, ficou a responsabilidade de caçar e pescar para a subsistência do casal, coisas da cultura deles, ao homem, era reservado a tarefa das construções, plantar, guerrear e proteger a família. O casal sempre andava completamente nus, quando a Boreharuá, saía à caça, levava consigo apenas seu arco, as flechas e uma sacola feita de cipó.

Havia um homem branco que se fez amigo deles, por um dia, ter-lhes prestado socorro quando foram ameaçados por garimpeiros que estavam a invadirem suas terras. O homem branco, conseguiu com as autoridades que os invasores fossem escorraçados de lá. Os índios o chamaram de “Guaraciaba” (raios de sol, cabelos louros), por causa da cor dos seus cabelos. Criaram uma grande amizade e o já nominado Guaraciaba, sempre quando passava pelo rio Açuã em busca de caça e pesca, entrava no varadouro (caminho aberto para o interior da mata) onde moravam, para visitá-los, era muito bem recebido e por eles, tinham uma relação amigável e respeitosas. Certa vez, Guaraciaba se muniu de seus apetrechos de caça e pesca, na intenção de pegar o grande pirarucu, um gigante que ouvira falar existir num tal lago afastado, dentro da área dos amigos índios, apenas de conhecido lugar por eles, que diziam ser o centro encantado do reino dos grandes peixes. A índia Juma, o alertou várias vezes, sobre os encantados daquele lugar, dizendo-lhe que por lá vivia uma fêmea de pirarucu de tamanho descomunal, que era a guardiã do lago, quem comandava o equilíbrio da fauna de peixes da região. Com a devida autorização, trepou a pequena ubá, canoa feita de um tronco só, na cabeça, botou um jamaxim, cesto com alças, feito de timbó, no qual, os seringueiros carregam suas mercadorias, nos ombros, meteu seu facão, o arpão desmontado e a espingarda, e se largou por um longo caminho na mata, em direção ao falado upã ou upaba (lagoa), em formato de ferradura. Este lago ferradura é formado por um braço morto de rio, no caso, o rio Açuã. É um fenômeno hídrico conhecido como “meandro abandonado”. Meandro é um caminho tortuoso de um curso de água formado em geral, quando o rio corta o "pescoço", de um trecho em curva, encurtando o seu próprio caminho. É comum se ver de cima, quando em voo pelas matas da Amazônia, aquelas “alças” enormes abandonadas sem o menor sentido, mais ali, a vida se conserva e se multiplica, pois não há a interferência dos grandes predadores

Após a demorada e árdua caminhada, finalmente se deparou com o tal lago em ferradura, que por falta de correnteza, suas águas são paradas, como um espelho a refletir as imagens de suas margens. Ao colocar a pequena canoa n’água, começou a notar os burbulhos dos pirarucus mais adiante, em busca de ar (são peixes pulmonados) sentiu que ali, havia grandes quantidades deles, mas, sua busca era voltada para o maior, estava obcecado pela ideia de fazer uma pescaria, para ser lembrado pra sempre, como o cara que pegou o maior peixe da região.

Ao adentrar ao grande lago, visualizou uma enorme fêmea do pirarucu, que estava com seus filhotes, sabia ele, que quando está nessa condição, boia para respirar sempre quase no mesmo lugar, não pode se afastar de perto deles. A fêmea do pirarucu ao se preparar para acasalar, cava uma espécie de “cama” no fundo do rio, para poder depositar seus ovos, e sendo assim, explica porque só vem à tona respirar naquele mesmo local. Fica fácil para o pescador apanha-la.

Fato já conhecido pelo Guaraciaba, viu que ali havia muitas variedades de peixes e dos grandes. A fêmea avistada, por estar desovando, deixou ela de lado e tentou pegar um outro peixe, mas, sempre na hora que ia fisga-los, os peixes escapavam e assim sucedia o tempo todo, uma coisa nunca acontecida com ele, um pescador de larga experiência, inspirado no grande pescador Jeremy Wade, apresentador da série de TV sobre pesca extrema “Monstros do Rio” do canal Discovery Channel.

Nos dias seguintes, a mesma coisa. No último dia que resolveu sair dali, topou novamente com a grande fêmea desovando, um peixe gigantesco, de impressionar qualquer um, mesmo vendo a condição dela, como não havia pescado nada, armou a tocaia, à espera da grande “peixa” subir para respirar, ficou em completa mudez, a canoa quase levitando na água para não fazer ruído, remo suavemente roçando as águas, se aproximou silenciosamente. Viu onde a “peixa” subia para respirar, preparou o arpão, levantou o braço e com toda força lançou o arpão. Foi com tanta potência que quase caiu da canoa, inclusive, perdeu a lanterna e ainda assim, a peixa escapou, a fisga do arpão não penetrou nela, não entendia, viu que acertou em cheio sua lombada, notou o respingo de escamas na água. Muito contrariado, com a pouca sorte, voltou à casa dos Jumas e relatou à índia o que havia acontecido nos três dias de pesca. A índia ficou longamente a fitá-lo, finalmente disse: - “Guaraciaba, aquela fêmea que você arpoou é encantada e se você a feriu ou a matou, ao você também, irá acontecer o mesmo”. Guaraciaba escutou com muita atenção aquelas palavras, compreendeu o porquê de não haver pescado nada num lugar abarrotado de peixes, a grande fêmea encantada já antevia suas intenções e ordenou aos peixes, que saíssem do raio de ação dele, e por uma boa razão, ela própria foi vítima de sua sanha. O pescador assustado lembrou do que lhe disse a índia Juma no passado, e tratou de voltar o mais rápido possível, temendo a maldição, recolheu suas tralhas e saiu de lá às pressas, nem procurou saber de mais nada. Meses depois, aconteceu o pior, ele inesperadamente adoeceu, foi a vários médicos e nenhum conseguiu diagnosticar seu caso, todos diziam que não havia nada de errado com ele, seus exames estavam todos em ordem, mas, no entanto, vivia cheio de dores numa região da costela, onde surgiu uma mancha escura, que em noites de lua cheia, ficava bem vermelha, preste a sangrar. Ainda em péssimas condições de saúde, empreendeu uma viagem à casa dos seus amigos Juma, na esperança de saber se aquilo que sentia tinha relação com o que a índia Boreharuá havia lhe dito sobre a peixa encantada. Parecia que a índia já o esperava, nem bem chegou e ela foi-lhe dizendo, - “Você teve sorte, a peixa não morreu, ficou muito tempo ferida, mas sobreviveu, eu cuidei dela”. Ele não disse mais nada, sentou-se com as mãos tampando o rosto, começou a chorar, compreendeu tudo, inclusive a razão de sua doença. Pediu-lhe que se houvesse uma forma de se redimir, que dissesse pra ele. A índia contou-lhe que já havia feito isso, em nome do muito que fez por eles, contra os invasores seringueiros e exploradores de suas terras. Ofereceu-lhe umas folhas para que fizesse um chá, e depois com elas, um emplastro e colocasse por cima da mancha na sua costela, sempre nas luas cheias, também, lhe pediu que, como já estava “marcado”, sempre que fosse pescar, em qualquer lugar, que antes, pedisse licença aos encantados e esperasse um sinal para saber se tinha sido aceito sua solicitação, ou não. Este sinal poderia ser um rebojo n’água, ou um pássaro cantando alto num galho ao seu lado, ou uma forte ventania de súbito, ou ainda, qualquer anormalidade do ambiente, se caso nada disso ocorresse, que deveria abandonar o lugar o mais rápido possível, pois não haviam lhes dado permissão.

Molar
Enviado por Molar em 11/03/2021
Reeditado em 12/03/2021
Código do texto: T7204293
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