Minha passagem por Osório
O ano era 1976, final de fevereiro. Minha mãe, Dona Márcia, nome que posteriormente contarei o significado, pois assim era chamada, mas cujo nome verdadeiro era, Maria Leoni da Silva dos Santos, perturbou tanto meu pai, Seu Brasil, insistindo na ideia de irmos morar na Cidade de Osório, RS, que seu Brasil não resistiu. Chamou um caminhão de mudança de um conhecido da família, subiu toda a mobília, que não era muita, e pegamos a Free Way em direção ao litoral. Minha mãe tinha o dom de falar, falar e falar, até que pudesse acançar o resultado que ela esperava. Uma semana antes da mudança, ela esteve em Osório, visitando sua Irmã e tendo a indicação de uma casa para alugar na mesma rua que nossa vó, chamada Dina, residia. A viagem foi rápida, cerca de 1 hora e 30 minutos e já estávamos descarregando o caminhão e montando a nova moradia da família Costa na pequena cidade de Osório. Osório em tempos remotos era uma parte da estrada das lagunas, e em 1857, emancipou-se de Santo Antonio da Patrulha e ficou com uma faixa de terra muito grande, indo até Torres, e nesta época começou a se chamar Conceição do Arroio, mudando para Osório a partir de 1934, em homenagem a Manuel Luís Osório, patrono da cavalaria nacional, que supostamente ali teria nascido. Meus avós migraram para esta cidade no início dos anos de 1910 e ali se estabeleceram. Meu avô, Francisco da Silva, comprou uma chácara de cerca de 1,5 hectares e montou uma pequena ferraria, ficando conhecido na cidade como “Chico Ferreiro” até sua despedida para o Oriente Eterno no ano de 1966. Era um homem sério e inteligente e chegou a fundar uma Casa Espírita na cidade, por apresentar mediunidade e segundo minha mãe, poder se comunicar com os mortos. Estabelecemo-nos nesta pequena cidade e meu pai, torneiro mecânico de formação, conseguiu um emprego em uma oficina concessionária da Mercedes Benz, especializada em reparos de caminhões, já que a cidade é cortada pela BR 101 e o transito de caminhões é relativamente alto durante todo o ano. Minha mãe tomava conta da casa. Eu, Marton Eduardo da Costa, e meus outros dois irmãos, Marlon Fernando e Marcos Alexandre, filhos de nosso pai, logo fomos apresentados a nova escola de ensino fundamental da cidade, Colégio Conego Pedro, na avenida Costa Gama, distante cerca de 1,5 km de nossa residência e iniciamos nossos estudos a partir do mês de março. Cidade nova, vida nova, novos amigos e muitas descobertas. Nossa casa era bem posicionada, perto da escola, perto do centro da cidade e principalmente, perto do campinho de futebol que ficar na avenida Getúlio Vargas, esquina com Marechal Teodoro Fonseca, onde, no verão e mesmo em dias de inverno, passávamos horas envolvidos em peleias de jogos de futebol com toda a gurizada da região. Nego Tuta, Manteiga eram nossos principais amigos nesta chegada na cidade. Manteiga residia ao lado de nossa casa e nossas mães eram conhecidas de infância. Ficamos grandes amigos. Jogos de bolita, arco e flecha, futebol, jogo de taco, carrinhos de lata, tudo fazia parte de nossa infância, mas o que realmente era a diferença, era nossas fundas, também chamadas em outros lugares de estilingue, feitas de câmaras de pneus de carro, de tratores e para quem tinha mais recursos, de borracha de soro. A busca por uma boa forquilha e um pedaço de couro, complementam a construção desta arma ancestral, mas que era a diversão da gurizada, principalmente no verão.
A mudança de Canoas para Osório nos trouxe a oportunidade de estarmos mais próximos da natureza. O povo desta região tinha o costume de caçar e pescar em certas épocas do ano, principalmente marrecos e marrecas piadeiras que vinham da patagônia para se acasalarem em certos locais do Rio Grande do Sul, principalmente nas lagoas que fazem parte do habitat desta região. Como a cidade é rodeada de muitas lagoas, a pesca também faz parte da história da região, e desde criança as pessoas aprendiam a manusear um caniço de taquara do reino e também manusear armas de fogo, principalmente espingardas de chumbo para poderem abater estas aves. Participei de algumas pescarias e caçadas com meu pai e meus tios nos anos que ficamos residindo nesta Cidade.
Nesta época, tudo era um desafio para mim e meus Irmãos que não nos criamos nos primeiros anos de nossa vida nesta região e vínhamos com muitos costumes trazidos da Cidade de Canoas, onde crescemos até o ano de 1976. Foram muitas descobertas de novos tipos de brincadeiras, novos tipos de amizade, mas nos adaptamos rapidamente.
A Picada e a subida do morro de Osório
Certa vez, decidimos subir o morro de Osório por uma picada que ficava encravada atrás da escola de Ensino médio, Ildefonso Simões Lopes, mais conhecida por Escola Rural. Saímos de casa bem cedo em um sábado qualquer, chamamos o Tuta, o Manteiga, Aragão, Sebinho e outros amigos e pegamos o rumo para adentrar na mata. Cruzamos por um caminho por detrás da Escola para não sermos surpreendidos pelo zelador, que com certeza no expulsaria do local, e iniciamos a entrada na mata em uma plantação de cana de açúcar. A encosta do morro era tapada de plantações de cana de açúcar, pois a região do litoral também produz uma das melhores cachaças, a marisqueira, com uma coloração toda especial e um sabor inconfundível. Somente quem já passou por uma plantação de cana de açúcar pode saber como é estar de frente a laminas cortantes. A plantação devia ter uns 100 metros de fundo por um 200 de lateral e a picada da subida ficava bem no meio desta. Nos embretamos na plantação e depois de muitos cortes, chegamos na base de subida do morro. Se alguém reclamou das canas, se deparou agora com os urtigões, folhas largas de urtiga que somente em passar ao lado, já queimava a pele. O mínimo encostar já produzia uma sensação de queima e coceira. Meu irmão mais novo, Marcos Alexandre, conhecido como Quinho, começou a chorar e queria voltar, mas depois de dois ou três tapas na cabeça, se acalmou e seguimos nosso rumo para o topo do Morro. O nosso gps para saber se estávamos no caminho certo, era a imensa antena de TV que o morro tinha na sua parte mais alta e em seus pés, abriga uma pista de asa delta, de onde, corajosos se jogavam a cerca de 400 metros de altura com seus planadores em forma de triangulo e aterrissavam em um campo de futebol que ficava logo após a base do morro. Nunca tive coragem de pular de asa delta. A subida do morro era íngreme, cheia de pedras, arvores e podia-se distinguir o mugido dos bugios que habitavam o local. Grandes aranhas, cobras e toda sorte de bichos, insetos fazem parte deste ecossistema maravilhoso. Durante a subida era uma discussão só. Uns queriam ir pelas laterais de grandes pedras, outros queriam escalar. Chingamentos, ofensas, gritaria, uns apaziguando, outros metendo lenha na fogueira, era uma diversão, e no fim todos tinham o mesmo objetivo, vencer a subida e chegar no topo. Acredito que levamos cerca de 2 horas e finalmente chegamos até a antena, cheio de arranhões, escoriações, queimaduras de urtigas, cortes da cana, picadas de formigas, mas felizes e orgulhosos por temos vencido o morro. Sentamos no sopé da pista de asa delta e ficamos parados cerca de 1 hora contemplando a vista magnifica da cidade de Osório e mesmo vendo distante a cidade de Tramandaí e o mar. Era uma satisfação poder desfrutar deste tipo de aventura e depois de tanto esforço, sentir a paz que aquele local proporciona. Retornamos ao final da tarde por uma estrada que dá acesso ao morro. Paramos para tomar agua em uma fonte no meio da estrada. Subimos em pés de ameixa amarela e colhemos seus frutos. Pegamos emprestado uma melancia que estava em um pequeno córrego, deixada ali por alguém que iria mais tarde vir pegar. Guri é bicho lacaio, como dizia meu pai, e tem que tomar de vez em quando um corretivo. Chegamos em casa e a mãe somente perguntou onde estávamos e logicamente não lhe contamos da aventura com medo dela contar ao Pai e com certeza o corretivo seria aplicado. E dormimos a noite, orgulhosos de nosso feito e esperando o outro dia, pois certamente, haveria outra aventura nos esperando.
Fazem muitos anos que não retorno ao local e coloquei como uma meta após esta pandemia, retornar ao Morro, levar minha Esposa, filha e meu filho e lhes mostrar a beleza que fez parte de minha infância e que hoje distante, traz uma saudade imensa.
Seguirei contanto outras aventuras que fizeram parte de minha história nesta cidade de Osório nos três anos que lá residimos.
Marton Eduardo da Costa