A MALFADADA PESCARIA NO RIO URUBU
A MALFADADA PESCARIA NO RIO URUBU
Contos Amazônicos
Autor: Moyses Laredo
Transcorria o ano de 1969. Durante as aulas de contabilidade, os alunos escutavam as histórias fantasiosas de pescaria, desfiadas pelo professor. Contava ele, as excitantes experiências vivida em suas aventuras. A sala toda parava para escutá-lo, porque prendia de fato as atenções, todos ali gostavam de pescaria, o professor, era de fato um aficionado pelo esporte, pela expressão no rosto, com que as contava, deixavam todos ali com a expectativa de que, algum dia, teriam o privilégio de fazer algumas, iguais as contadas por ele. Pela amizade que um grupo de três amigos mais aplicados, cultivaram com o professor, um belo dia, depois das aulas, ele os chamou e os convidou para curtir com ele uma de sua próxima aventura, desta vez o lugar escolhido seria o rio Urubu. Alguns nem sabiam pra que lado ficava o tal rio Urubu. Depois de tudo esclarecido, tomaram conhecimento de que, pela Am – 010, (Manaus-Itacoatiara) a 100 km após o Município de Rio Preto da Eva, chegar-se-ia no rio Urubu, que é um afluente do rio Amazonas. É constitutivo do variado ecossistema de igapós, muito rico em variedades de peixes. Este rio tem água escura, como o Rio Negro, resultado de ácidos orgânicos combinados com a decomposição de materiais orgânicos que matam bactérias e outros parasitas da água, significando zero de carapanãs.
No dia combinado, saíram os amigos, no Aero Willys modelo 63, de nome “azulino”, de 4 portas, banco em plástico branco, de um dos amigos, que ainda pagava as prestações financiadas, direto com o ex-proprietário, nada de banco, não tinha conta bancária formalizada. O Azulino era muito espaçoso, cabia os quatro amigos confortavelmente e mais as tralhas no bagageiro. Estava louco para testá-lo, nunca havia feito uma viagem tão longa com ele, queria ver seu desempenho. Chegaram no local combinado, já bem à tardinha, estacionaram numa entrada às margens do rio Urubu, afluente do rio Uatumã, bem próximo de Itacoatiara. Em grande parte, esse Rio Uatumã, banha a RBU – (Reserva Biológico de Uatumã). Nesse rio encontra-se construída a UHB - Usina Hidrelétrica de Balbina.
O professor já os aguardava, cada um levou seu caniço, esperavam pescar para comer. O prof. Arranjou-lhes acomodação numa casinha de madeira coberta com palha paxiúba, com um quarto, que mal dava para os três, cada um procurou, já em meio à escuridão, atar sua rede. O “Dico”, de apelido Zé piolho, morador e amigo do professor de outras pescarias, havia preparado um caldo de piranha, que alguns colegas se negaram a comer por puro preconceito, por ainda ouvirem dizer, que piranhas comiam gente. Em seguida foram intimados a sair para a tal pescaria, alguns questionaram, - “Mas agora?” mesmo assim, seguiram o animado professor, só deu tempo para descarregar as coisas e já embarcaram na pequena canoa com o prof. assumindo o controle do motor de popa, desatracaram do tronco de balsa, onde a canoa aguardava, atrelaram o motor de popa e partiram, começaram a descer o rio, já escuro, guiados por uma lanterna de proa, lá pelas nove horas da noite, de tanto, “para aqui”, “foca acolá”, “joga o caniço lá na frente”, “vamos tentar mais adiante”, “aqui não está dando nada”... depois de tudo isso, nada de peixes! A noite escurecendo, o friozinho do oxigênio puro da mata e o sereno, começava a cobrar o preço, afinal, estavam em plena floresta Amazônica. A malfadada tentativa de pescaria ainda continuou por algumas horas, parecia que o professor estava à procura de fazer valer as histórias que contava, não queria que seus alunos contassem o contrário. Perto da meia noite, o cansaço venceu, os amigos exaustos e de mal jeito, se esticaram dentro da própria canoa e cochilaram, cada um encolhido no seu canto como podia. Imaginem três a dormir numa canoa pequena, a bom encolher as pernas para se acomodar por baixo dos bancos de travessa da canoa. De repente, foram acordados com o grito do professor que ainda continuava pilotando a canoa, -“Olhem, olhem, uma cotia!!” os três acordaram de sobressalto, lançando mão das lanternas, conseguiram focar a cotia, que acuada pelo foco das luzes, estava estática a espera do tiro fatal, mas, apenas contemplaram a bichinha, mesmo com a fome que estavam, se maldisseram por não ter aceitado a espingarda do Zé piolho, lembraram-se que ele até insistiu para que levassem sua ”chumbeira”, uma velha 28, que ele mantinha em casa para buscar uma mistura, de vez em quando, para variar a dieta diária de peixe. A cotia com sua pelagem marrom amarelado, refletia melhor com o foco das luzes, mantiveram-na paralisada por algum tempo, apenas ficaram a contemplá-la, depois, a cotia, sentindo-se perdoada, aprumou uma carreira e se foi. Decepcionados, deitaram de novo. Nesse momento, perceberam que a canoa, já tinha acumulado água debaixo das tábuas do estrado do piso, onde se esticaram, pisa daqui se ajeita dacolá e acabaram-se molhando nos fundilhos. O professor, acendia um cigarro no bico do outro, quando o vento soprava da popa pra proa, enchiam todos de fumaça, perturbando ainda mais os estreantes a pescaria. Quando começou o crepúsculo da manhã pararam e esticaram as canelas numa prainha, cada um procurou a mata para se aliviar como podia. Quando o dia clareou mesmo, um caboclo de nome Inafran, filho do seu Inácio com a dona Francisca, morador do lugar onde estavam “acampados”, que conhecia o Professor, veio aos seus encontros, sorridente acenando em sua canoa monóxila, (canoa de um pau só) todo animado por rever seu velho amigo por ali. Ele tinha pescado três piranhas pretas e as ofereceu ao grupo, ao ver, que não tinham pescado nada, um dos amigos, disse baixinho, - “De novo piranhas?”, deixa lá no fundo da canoa que isso não serve pra comer, é bom guardar para iscas, vamos pegar é tucunaré, agora vai dar certo, já de dia com a água limpinha, tomaram banho e lançaram seus caniços na água dali mesmo, ficou naquela de joga recolhe, joga de novo, tenta outro lugar, muda a isca, vai atrás de minhoca, mas nada mesmo adiantava, nem sequer “mussicava” (beliscava), o tempo decorrendo indelével, sem o café da manhã, e se aproximando do meio dia, a fome começou a dar sinal, mesmo assim, a esperança é a última que morre, como repetiam.
Quando deu quatro da tarde, alguém mais desesperado lembrou, - “Cadê as piranhas?” todos ao mesmo tempo correram e levantaram os estrados da canoa, e lá estavam as bichinhas, já um pouco enrijecidas, mas, ainda em condições de aproveitamento, se apressaram em preparar um caldo, com a farinha que levaram, e mais alguns talos de cebolinha que o Inafran arranjou, e lá se foi um dos melhores almoços ajantarados que já experimentaram, nunca imaginaram que seria assim. Concluíram que o professor era um contador de histórias, um sonhador, que na verdade, floria suas histórias, acrescentando pitadas de surrealismo ao mesmo tempo, se deliciava em passear de canoa por aqueles recantos dos igapós amazônicos, apreciando a fauna, e principalmente, era especialista em fazer amizades com os ribeirinhos nos lugares por onde passava em suas pescarias, só buscava companhias. Os amigos, embora não fossem experientes em pescarias, notaram que a improvisação imperou, nada estava previsto. Os peixes estavam entocados nos Igapós e não saiam pra nada, estavam em época de reprodução, eles não sabiam disso, nem eles e nem o professor. Aprenderam a lição, mas uma coisa foi aproveitada, acabou ali mesmo o preconceito de comer piranhas, porque depois, nas pescarias seguintes, já nos anos 80, quando aparecia piranha no anzol, a bichinha era lançada logo na frigideira. Por amizade ao professor, combinaram não contar nada a ninguém. Quem quisesse ir com ele que aprendesse sua própria lição.