Vicente I
o cabelo, por estar maior que o de costume, escorria para trás com o vento e as gotas da chuva, separados àquela altura por um vidro frágil, o rapaz olhava ao redor para verificar a estrutura de madeira, a douglas fir. calculava seu próximo passo sem nenhuma certeza, o arcabouço estralava entre o zunir do vento e a força da água a bater nas anteparas.
caminhou bambo para o casco, semicerrou os olhos, levou o antebraço à altura dos mesmos como forma de proteção, procurou enxergar a tempestade ao longe, viu-se sozinho, a camisa encharcada já grudava no peitoral, a brutalidade das ondas à sua frente já não mais o assustava. sabia que não havia o que fazer, ciente disso, amarrou o braço no mastro e deixou-se cair de joelhos, mais por fraqueza, havia desistido, a água percorria a nuca enquanto o vento agora o acariciava. veio-lhe à mente, o sorriso caloroso esboçado e o aceno que dera, eram 14:11 de uma tarde ensolarada de dezembro quando vicente havia zarpado, deixara para trás familiares, poucos amigos e, à beira do cais, o seu amor.
recobrada à consciência, levou a destra ao rosto, uma voz lhe dizia em tom firme e claro: não tenha medo.
levantou-se a tirar o excesso de si, voltou a passos largos à cabine revirada, jogou-se no acolchoado inchado, cruzou o braço no abdômen, como um indicativo de hipotermia, em silêncio, aguardou.