A CAÇADA INFERNAL

A CAÇADA INFERNAL

– PATOS E MARRECOS DE JANAUACÁ AMAZÔNAS –

“‘Histórias de caçadas’”

Autor: Moyses Laredo

Naqueles tempos, antes da proibição de caça aos patos e marrecos, Janauacá era o ponto alto de quem queria fazer parte desse esporte predileto, a fama desse lugar corria o mundo, eram tantos patos que escureciam o céu à distância. Chegavam enxurradas de caçadores de planícies, em busca de aventuras. Um amigo, recebeu uma ligação inusitada de um primo distante de São Paulo, pedindo para caçar patos, junto com um israelense aficionado por caça, ele se dispôs a vir de longe com esse intuito, queria por queria “ver bicho” como falava constantemente com o seu parco português. O primo, depois de contar sua história obteve dele a concordância, que lhe disse: - “Pode vir, eu disponho de um pequeno barco regional, onde a gente pode navegar para o local dos patos, vai ser moleza” é o chamado “tiro ao pato”. Isso animou o outro que imediatamente transmitiu ao israelense a boa notícia, o israelense ficou em êxtase com a notícia, tratou de arrumar a viagem. Após uns dias, lá estavam eles risonhos no aeroporto Eduardo Gomes, abanando uma plaquinha, com o nome desse amigo amazonense, os dois estavam animados com a expectativa da tal caçada, o israelense um sujeito magro de cabelos avermelhados, onde ainda os tinha, aparentando uns 35 anos, era o mais efusivo, não se continha de animação, só repetia, as poucas palavras que conhecia em português - “Querro ver bicho, querro ver bicho”, o outro, mais baixinho, um pouco avantajado no peso, muito risonho também, tinha as feições mais brasileira, era um paulista. Dali mesmo, o amigo seguiu com a turma, para a Marina Tauá, onde estava fundeado o “Mimoso”, seu barquinho regional, de 25 pés, (7,62 metros), estava aguardando já devidamente abastecido, não era um barco grande, dos que chamavam de “pô-pô-pô”, porque o pequeno motor Yanmar, diesel de 18hp, nele instalado, nem fazia barulho sequer, de muito silencioso, por isso o chamavam de “totó”, porque fazia assim, “tchu-tchu-tchu” o mesmo som de quem chama um cachorrinho.

Parecia um sonho para os dois visitantes, estavam finalmente no grande Rio Negro, tinham ouvido toda sorte de histórias, a mais excitante era sobre as piranhas, por isso mantinham as mãos, sempre fora d’água. Desceram o Rio Negro e seguiram em direção ao Rio Solimões, queriam chegar no Lago do Janauacá, era ali que os patos estavam, atalharam pelo Furo do Paracuuba, cortariam um caminho besta, o amigo amazonense, já conhecia bem o trajeto, tinha ido caçar por diversas vezes, não havia errada. Depois de seis horas de viagem, lá chegaram, estava diante do majestoso Lago do Janauacá, imenso e totalmente desabitado, o silêncio tomou conta do ambiente, seus ouvidos acostumados com os ruídos da cidade grande, emudeceram, todos sentiram o clima de total abandono, como se tivessem de uma hora para outra, passados para uma dimensão desconhecida. Há poucos, estavam confortavelmente acomodados nas poltronas de um Boeing 747, vendo a mata por cima, abismados com a grandiosidade da floresta Amazônica, e agora, ouvindo a natureza de perto, nunca visto. O Mimoso, trazia sempre arrastado, uma pequena canoa, servia para se chegar mais perto dos emaranhados de galhos e paus das margens, a fim de levar os caçadores na “espera”. Nesse dia, procuraram pescar algo para inteirar a janta, do barco mesmo, ouviram o roncar (estrugir) característico das pescadas, primas irmãs das corvinas do mar, jogaram um anzol com isca viva (piabinhas), não demorou nem um minuto, conseguiram fisgar umas pescadas, duas delas, bem grandes e pesadas, fizeram uma caldeirada, tinham todos os ingredientes a bordo, os caçadores ficaram encantados, mas como pode isso, ter tantos peixes debaixo do barco? O paulista, conhecia aquilo como caldo de peixe, nome inadequado dado para uma belíssima caldeirada que o amigo amazonense preparou.

No dia seguinte, às 4:00 da manhã, o amigo os despertou para a grande aventura, engoliram um café coado no pano, roeram umas torradas com geleia de morango que sobraram do voo, vestiram-se a rigor, com o macacão de selva, chapéu e tudo da mesma composição, a animação continuou, entraram na canoa e foram direto a procura de um ponto adequado para se alojar, onde tivesse os araçazeiros, que são pequenas árvores de araçás amarelo (goiaba azeda), donde podiam se esconder agachados perfeitamente, para aguardar a chegada dos patos, rodaram muito pelas margens, para achar um local adequado, por fim, deram com uma beirada do lago, um pouco desmatada, com árvores escarças de araçás. O interessante é, que os patos, mesmo a essa altitude em que voam, notam quaisquer mudanças no cenário, por onde são acostumados a passar, eles têm a rota gravada e não se afastam dela, o líder segue sempre à frente, mas, se enxergar um brilho do relógio, do cano da arma, ou outra cor diferente, “quebravam” as asas para os lados e dão meia volta, impressionante como fazem isso, com tamanha rapidez, todos imediatamente seguem o líder, o bando em formação em V, se dispersam e por ali não passam mais. Os caçadores têm que se manterem totalmente camuflados. O amigo, que se fazia piloteiro da canoa, retornou para o Mimoso fundeado à distância, teve dificuldades até de encontrá-lo. O bom disso, era que o Mimoso, não corria o risco de ser atingido pelas balas “certeiras” dos caçadores. O amigo, aproveitou a quietude e o silêncio do lago, para pôr em dia, um livro que há semanas tentava ler, mas os afazeres tomavam seu tempo, então, ao chegar no barco, se prostou numa rede, e retornou a tão cativante leitura, o autor chamava-se Molar, o livro, Meu Pé de Moleque”, com seus contos maravilhosos que prendia a atenção até ao final do desfecho. O tempo passou entretido, acabou adormecendo, quando despertou, já corria a tarde, olhou para o relógio e lá marcava 15:30h da tarde, sentiu o estômago roncar, correu nos mantimentos e como um bom cozinheiro, jogou uns três ovos na frigideira, e os traçou com pão de forma que trouxeram, pronto, estava “forrado”, daí, começou a se preocupar com os amigos, mas, o combinado era que dariam um sinal, três tiros seguidos, um apito forte, um assobio, um grito, mas ele nada ouviu, (estava dormindo!) então, achou que a tão falada caçada, estava indo às mil maravilha, não escutou nenhum disparo, também não deu importância a esse dado, abriu outro livro e se deleitou novamente com a leitura, travou o dedão no balaústro da amurada do Mimoso e começou a balouçar-se. Quando se deu conta, notou que o céu já estava a escurecer, consultou o relógio novamente, marcava desta vez, 17:30 h, caráio, pensou, acho que esses caras estão gostando demais da caçada, porém, tenho que busca-los gostem ou não, já está escurecendo e eles não levaram nada para se abrigar. Pulou na montaria (canoa) ligou o valente motor (de rabeta vertical 6,5 hp 4 tempos) que respondeu na hora, e se dirigiu onde supostamente havia deixado o pessoal, ao chegar, correu os olhos pelas margens e eles por lá não estavam, pensou, acho que talvez me enganei de lugar, e assim, ficou a arrodear aquele lugar, rodando, rodando, e nada de achar os valentes caçadores, já estava ficando aflito, o sol declinava rapidamente no horizonte, a luz se esvanecia, parecia muito rápido. Navegar de canoa na escuridão nem pensar, ou ele achava os caras ou voltava para o Mimoso, seu medo era o de se perder também, porque ele fundeou o Mimoso, debaixo de uma árvore frondosa, temia temporal, que o deixou escondido até demais. As coisas começaram a ficar complicadas, perdido dos amigos e perdido do barco, lascou-se. Ainda restava um pouco de sol quando vislumbrou ao longe as cores da pintura do Mimoso escondido entre as folhagens, ficou feliz, pelo menos ele, teria onde dormir, deu mais ânimo para continuar a procura pela dupla, fez novo rumo mentalmente e partiu para o tudo ou nada, se eles não estiverem ali, vão ter que dormir na mata. Por puro desespero, já no escuro da boca-da-noite, coisa de 19:00h um deles, ao ouvir o ronco do “potente” motor de rabeta se aproximando, prevendo a passagem da canoa por ali, se jogou n’água, próxima a uma curva e nadou vigorosamente em direção ao meio do rio, foi sua sorte, exatamente depois da tal curva, deu com o amigo amazonense na sua canoinha salvadora, que logo o avistou. O amigo israelense, já cansado, boiava pedindo socorro, acenava desesperadamente, espalhando muita água, ainda bem, pensou, cheguei a tempo. Depois de embarcados, foram todos para o Mimoso, o mais rápido que o “potente”, podia, a escuridão da noite, já tinham derramado seu manto no lago, se guiaram pelas luzes de navegação do Mimoso.

Depois da calmaria, já na mesa, improvisada no Mimoso, com a comida pronta às pressas (macarronada com sardinha em lata), um deles se adiantou. É o seguinte, a coisa foi assim: “Depois que você nos deixou, procuramos seguir rigorosamente os teus conselhos e nos posicionamos embaixo dos pés de araçazeiros, e lá ficamos quietos, o tempo passou e não vimos nenhum pato se aproximando, quando o sol já estava alto, tivemos a noção que aquele lugar não era rota deles, (faltou combinar com os patos) mas, não tínhamos como nos comunicar, ficamos algum tempo sem saber o que fazer, o calor aumentando, o suor escorrendo, tiramos aquela roupas quentes e demos umas mergulhadas naquelas águas frias, numa pequena enseada da beirada, mas sempre de olho nos jacarés e piranhas, bebemos um pouco d’água, e ficamos aguardando alguma caça desavisada aparecer, mas nada veio, e sim, um enxame de mutucas a nos atormentar, o desespero bateu, tivemos que nos vestir novamente, para nos livramos daquelas pragas que nos ferravam adoidadamente, a essa altura do dia, fazia um calor infernal, preferimos isso do que as mutucas a nos picar, era melhor o calor. Ao meio dia, a fome começou a bater forte, lembramos que precisávamos comer alguma coisa, olhamos para aquelas goiabas amarelinhas que você nos falou e tacamos os dentes nelas, de azedume terrível, mas a fome era maior, e assim metemos pra dentro umas delas, tomamos mais um pouco daquela água escura, cor de Coca-Cola e nos acalmou, lembramos que trazíamos uma linhada com anzol, catamos umas minhocas descuidadas, e as espetamos, foi com essa artimanha que pegamos duas piranhas médias, vermelhas em baixo e prateada em cima (piranhas caju) que dava para encarar, o colega israelense, trouxera um canivete suíço que de tão sofisticado tinha até uma pederneira, (sílex capaz de produzir centelhas quando percutido ou atritado por peças de metal) limpamos as piranhas, fizemos uma fogueira ali mesmo e assamos as bichinhas, mas ao come-las, deparamos com as espinhas, não contávamos com isso, quase nos engasgamos, pegamos uma folha grande, não sei o nome da árvore, e as colocamos assadas em cima, depois passamos umas boas horas catando e comendo, depois disso, sentamos e esperamos, era coisa de 3:30 h da tarde, o tempo não passava (o amigo se lembrou que nessa hora estava confortavelmente a embalar-se na sua redinha, tinha acabado dar uma restauradora dormida ao som dos pássaros e ao balanço das águas) mas ficou quieto, deixou que eles continuassem seus relatos. Comentaram entre eles. Será que o nosso amigo, sabe que estamos nessa situação? Ou isso faz parte da caçada? O que fazer? Achamos que você não tardaria a nos buscar, sabia que não tínhamos onde dormir. O amigo nessa altura dos relatos, resolveu intervir, candidamente alegou que achava que eles estavam se dando bem, é assim mesmo que a gente faz por aqui, não se atrapalha quando as coisas estão dando certo, aguardei um sinal de vocês, e nada! ...ao dizer isso, os dois se entreolharam, foi aí que o amigo lembrou, “caráio, nessa hora eu estava dormindo e nem pude ouvir os tiros que devem ter dado”. Os dois, continuaram seus relatos, dizendo, um para o outro, mas rapaz, a gente nem se lembrou de atirar pro alto, como você nos disse, poxa vida, nem pensamos nisso, estávamos poupando cartuchos para os patos, erramos feio. Entre os mortos e feridos, escaparam todos. A caçada acabou bem, ninguém se feriu, muito menos os patinhos.

Molar
Enviado por Molar em 08/02/2021
Código do texto: T7179614
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