O Estafeta

A ordem recebida fora clara: entregar a mensagem ou morrer tentando. E para adicionar injúria ao insulto, o sargento que lhe entregara o documento, acrescentara:

- Você vai ter que ir por cima, cabo Hitler; a trincheira está tão cheia, que você vai perder tempo desviando dos homens!

Ir "por cima" - pelo parapeito da trincheira, diante da terra de ninguém - equivalia quase a uma sentença de morte. Era mais ou menos como ser o alvo na prateleira de um estande de tiro.

- É noite! Ninguém vai ver você - animou-o o sargento, dando-lhe um tapa de incentivo na espádua.

- Sim, senhor! - Respondeu Hitler, guardando a mensagem na bolsa surrada que levava a tiracolo.

Desfez-se do pesado rifle Mauser 98 que carregava, já que este só iria atrapalhar sua corrida, e manteve apenas a pistola Werder no cinto. Olhou para cima; o céu sobre sua cabeça estava negro como tinta, o que não era de todo mal. Naturalmente, não poderia enxergar o terreno à sua frente, mas até onde se lembrava, não havia grandes obstáculos até o ponto onde teria que atravessar a terra de ninguém para chegar ao extremo do outro grupo de trincheiras, onde o restante das tropas austríacas estava aquartelado. Respirou fundo e subiu rapidamente pela escada de madeira que levava ao topo do parapeito da trincheira, protegida por sacos de areia.

Lá em cima, tudo estava estranhamente silencioso. Havia alguma luz difusa à sua esquerda, marcando a borda da trincheira; no mais, tudo era trevas. Começou a correr em linha reta, sabendo que ziguezaguear ali era perda de tempo. Tudo corria bem, e após dez minutos consultou a bússola para mudar o traçado; era hora de adentrar a terra de ninguém. Coragem!

Durante o dia, tivera a oportunidade de dar uma boa olhada pelo periscópio para a faixa de terra que os separava do inimigo - e também dos aliados. Um ataque surpresa de sapadores, uma semana antes, cortara as trincheiras dos austríacos em duas, causando mais de 300 baixas fatais. Havia algumas crateras de bombas, provavelmente já parcialmente preenchidas pela água da chuva, e campos de arame farpado; estes, ele teria que evitar a qualquer custo.

Um silvo à direita fez com que o cabo se atirasse ao chão. Rosto colado na poeira, viu que um morteiro de iluminação havia sido disparado pelo inimigo, e agora iluminava a terra de ninguém com uma luz branca espectral. Aguardou, com o coração acelerado, enquanto a claridade morria lentamente; cinco minutos depois, vendo que nada acontecia, ergueu-se para continuar sua trajetória. Faltava pouco, calculou; mais uns 100 ou 200 metros e estaria em segurança.

Finalmente, alcançou a extremidade da trincheira e contornou cautelosamente os sacos de areia. A última coisa que precisava agora, era ser confundido com um italiano e levar um tiro dos próprios companheiros.

- Cabo Hitler descendo! - Alertou, antes de espiar para baixo pelo parapeito da trincheira. Seu coração quase parou ao se ver diante da boca de meia dúzia de rifles Carcano.

- Por favor, desça, cabo Hitler - disse gentilmente e em bom alemão um dos soldados italianos que o mantinham na mira.

Hitler decidiu não bancar o herói. Sua missão estava concluída, visto que não havia para quem entregar a mensagem: o inimigo havia capturado as posições austríacas. Já dentro da trincheira, foi desarmado e teve o conteúdo da bolsa de estafeta esvaziada. O soldado que o interpelara, leu a mensagem com um sorriso de satisfação.

- Chegou tarde, cabo Hitler. Nós já temos tudo dominado por aqui - informou. E para dois dos seus companheiros:

- Ponham-no junto com os outros!

- Sim senhor, cabo Mussolini! - Replicou um dos italianos, prestando continência.

- [03-01-2021]