De volta às origens
De volta às origens (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Renatinha estava toda feliz. Era o mês de dezembro, calor do início da estação de verão. Um bom motivo para passear ao campo, pois o ano foi muito farto nos estudos, com muitas avaliações, notas escolares e a passagem para uma nova série. Ela sonhava conhecer algo diferente, lugar exótico onde pudesse contemplar a beleza e os encantos da natureza. Não tinha um lugar fixo, mas este mesmo lugar apareceu instantaneamente quando a mãe, por nome de Isabel, em conversa com o pai, falou sobre a antiga morada deles, uma casa situada no campo, com distância de mais ou menos uns trinta e seis quilômetros de onde estavam.
Isabel, assim disse:
- Pai, que tal irmos à antiga casa, ou seja, às ruinas de onde estava construída nossa casa. Hoje, pela manhã, deu-me uma forte saudade daquele lugar. Não sei de que maneira lá está, porém o coração palpita de saudade...
- Minha filha, é muito difícil ir até lá. Está abandonada e talvez não tenha mais nada. Lembra que são mais de trinta anos que a deixamos lá. Não restam paredes, não existe teto. As árvores estão muito grandes, enfim, lá deverá estar tudo mudado. Nem mesmo sei como chegar lá.
- Meu querido papai. Vamos!
- A Renatinha nunca foi lá. Ela, ontem de manhã, disse que ficaria muito feliz se fosse a algum lugar, de preferência, onde tivesse verde, muito verde. Matas, cipós, capins, córrego, pássaros cantando e que estivesse em contato diretamente com a natureza. Assim, lá, estaremos em contato permanente com a linda natureza.
- É muito difícil chegar lá, retrucava o pai dela.
- O Tiago disse que nos leva, eu falei com ele hoje, quando acordamos. Ele gosta muito da natureza. Gosta de tirar fotos e sentirá muito feliz em nos levar.
Em um canto, ouvindo a conversa entre pai e filha, Renatinha logo veio correndo e com a alegria no rosto disse:
- Mamãe, que maravilha. Vamos, hoje, finalmente, conhecer a casa onde a senhora morou. Estou muito feliz. Vou providenciar a mochila e colocar os apetrechos para nossa viagem. Vou correndo chamar papai.
Renatinha saiu às pressas, pois o plano dela estava em ação. Sair naquela manhã de sol era o que mais queria. Iria ver muito verde, iria saborear o sol forte, sentiria os ramos e folhas tocarem seu corpo. Passaria por um riacho, cheio de pedras, com águas claras e frias. Andaria pela areia e sentaria em alguma pedra para apreciar melhor o encanto da natureza.
- Papai, papai...
Saiu tão apressada chamando pelo pai, que se encontrava, ainda, deitado na cama e ainda tirava um pequeno cochilo pela manhã.
- O que foi, minha filha?
Ele despertou assustado, porque a filha veio rapidamente e gritou perto do ouvido dele. Ele, porém, não esperava por aquela situação. Pensava ser algo que havia acontecido. Com um pulo, já estava de pé e foi logo surpreendido pela filha que disse:
- Papai. Hoje vamos passear lá na casa onde mamãe morou, lá na roça. Fica mais de trinta quilômetros de distância. Eu já estou arrumando tudo. Peço que levante, pegue o carro e vá ao posto abastecer. Já peguei sua mochila e a máquina fotográfica está lá. Aproveite e vá à padaria. Compre pão, presunto, queijo, refrigerante e água mineral. Vamos eu, o senhor, a mamãe, o vovô e a vovó. Está bem?
Diante daquela intimação, Tiago não se viu em outra alternativa a não ser cumprir o pedido da filha.
Rapidamente se levantou, vestiu-se e logo foi cumprir as promessas feitas à filha. Não demorou muito e já estava ele de volta com o veículo abastecido, as merendas compradas e só esperando para partir.
Foram todos animados pela estrada de terra. Em alguns lugares, a estrada estava boa, noutros, estava ruim. Mais ou menos uma hora e meia, estavam eles lá. O sol estava muito forte e os obrigou a usar o chapéu, beber muita água e o uso dos equipamentos de segurança, pois o lugar estava muito sujo, com vegetação muito alta, capim muito grande e propício ao abrigo de animais peçonhentos.
Com muita dificuldade, eles adentraram pelo matagal. Foi uma longa descida e a complexidade de chegar na antiga ruina da casa era grande, mas eles estavam lá, bem firmes e contentes. De vez em quando alguém caia, mas eram tombos leves e sem nenhuma consequência. Após um espaço de tempo, estavam eles dentro do riacho.
Este riacho não era muito grande e nem imensamente fundo. Media aproximadamente dois metros de largura, com profundidade de cerca de quarenta centímetros. Com muita areia e várias pedras calcárias, fazendo várias curvas no percurso. Renatinha e mãe se deliciavam em andar pelo rio. A mãe relembrava dos tempos bons que ali passou. As pescarias, as natações em período de calor, o descanso sobre as pedras, enfim, a cada passo, era mais de uma lembrança de Isabel do período que ali viveu, na infância. De alguma forma, saiam algumas lágrimas dos olhos dela, que se misturavam à exsudação saída do corpo dela. Frases de quando ali passaram eram ditas a todos os momentos, em comunicação deles.
Tiago ia atento a tudo. Meio medroso por não estar acostumado adentrar em matas fechadas, com a máquina fotográfica em punho, ia registrando os bons e agradáveis momentos junto à natureza. De vez em quando olhava para a filha e os olhos não saiam da presença da esposa, pois tinha medo de que elas se machucassem.
Finalmente chegaram às ruinas. O sol estava muito forte, mas ainda restava o alicerce da casa, em uma região mais alta. Muitas árvores cercavam o local, tornando o acesso dificultado. Podia-se ver algumas flores que foram plantadas há trinta e cinco anos. Estavam intactas e floridas. Eram flores na cor amarela. Um pouco mais acima, encontraram a caixa de água, onde uma mina a abastecia. O local estava muito sujo e não se aproximaram muito por medo de cobras. Vários arbustos de aroeira, canelas e outras espécies habitavam o local.
Tiago, muito feliz por estar ali, registrava tudo que ali tinha. Ficou por cerca de dez minutos acompanhando uma borboleta e várias fotos foram feitas dela. Pai, mãe, filha e neta conversavam muito e falavam das recordações dos bons e maus momentos que passaram ali. Renatinha, como de costume, sempre fazia perguntas e também registrava imagens no celular. Filmava, fotografava e sempre queria saber mais sobre o local, como era antes, o que tinha, o que eles faziam na época. Os esclarecimentos foram prestados, mas ela queria saber mais.
O sol estava mais forte e se misturava com a grande umidade do local. O suor corria entre os rostos. Mosquitos e moscas estavam sempre por perto e os importunavam a todo tempo.
Assim que terminaram as recordações e a andança no lugar, acomodaram em um determinado local. A caixa de merendas foi aberta. Eles, então, comeram pão com presunto, beberam refrigerante e comeram pão de queijo. Estavam felizes como sempre estiveram. Podia-se ver o brilho nos olhos de Renatinha, pois ela ali estava junto à natureza, filmando, fotografando e querendo que a internet funcionasse para enviar as fotos.
Isabel acomodou-se em um canto das ruínas do alicerce, chamando o marido Tiago disse:
- Amor, aqui era o quarto da sala. Era o melhor lugar que eu fiquei. Tinha a janela bem grande. A vista muito linda, eu podia ver as árvores, ver a serra, ver a chuva caindo, ouvir o cântico dos pássaros. Tinha uma pequena mesa, uma mesinha, onde eu debruçava lendo bons livros, estudando as lições da escola. Até aventurava escrever algumas poesias. Foi muito bom. Pena que o tempo passou e nós fomos embora daqui. Mudamos para a cidade.
- Tiago, dizia o sogro:
- Do lado debaixo da janela do quarto da sala, eu fiz um banquinho de madeira. Eu sempre gostei de sentar ali. Almoçava, tomava café, via a Isabel estudar e algumas vezes ela lia para mim alguns textos tão bonitos, que mal via o tempo passar.
Renatinha prestava muita atenção nos comentários, nos causos e na forma com que a mãe, o avô e a avó relembravam a vida naquele local.
- Lembra pai, dizia Isabel, sobre a festa na localidade das Foices (um lugarejo não muito longe daquele local, o lugar onde Isabel estudou, com o grupo, a igreja e algumas casas por perto). O senhor comprou algodão doce para mim, guaraná e pastel...
Neste momento, Renatinha interrompe a conversa e diz para o pai dela, Tiago, comprar pastel, pois estava com vontade de comer.
O tempo foi passando. Os minutos eram tão rápidos, pois as conversas e o momento feliz do lanche faziam com que aquela família voltasse ao passado, lembrasse de tudo que ali passaram, que ali viveram e que gostariam de compartilhar com Tiago e a Ritinha. A menina prestava muita atenção, mas Tiago ouvia, porém estava mais focado nas lindas fotos.
Isabel estava bem sentada no lugar onde era o quarto da sala, segundo afirma e muito feliz. De repente, ela percebe que algo passeia por seu corpo. Não apenas um, mas quando olha fixamente, vê um enxame de carrapatos subindo pelos braços, pela bota, pelo rosto. Espantada, ela se levanta rapidamente e grita:
- Pai, tem muitos carrapatos aqui. Estou vendo e sentindo. Vamos sair daqui.
O pai de Isabel estava falando para a neta sobre o curral que ele possuía. Mal acabou de dizer algumas frases. Ele deu um pulo para trás e no mesmo instante, quebrou um galho de ramos de alecrim e começou a bater levemente no corpo para tirar alguns carrapatos que ali estivessem. Saiu gritando sobre os carrapatos.
Era início de verão e o sol forte, acrescentado com o vapor de água da região, ouviu-se um forte estrondo, que mais parecia uma bomba. Era uma série de trovões vindos do lado sul. Na mata fechada pelos arbustos, eles não viram que estava em formação uma grande tempestade e somente perceberam pelos fortes barulhos dos trovões e os clarões dos relâmpagos.
Saíram todos correndo. Os fortes pingos foram aumentando e a chuva caia rapidamente molhando tudo o que estava pela frente.
Eles foram depressa. Perdiam no caminho e quando chegaram onde o veículo estava estacionado, a chuva estava mais intensa.
No caminho, Renatinha dizia:
- Mamãe, o vovô está meio estranho. Está andando e batendo o ramo pelo corpo.
A mãe responde sorrindo e com carinho:
- São os carrapatos.