HISTÓRIA DE PESCADOR? QUE NADA¹

Houve uma época em que residi a poucos quilômetros do Rio Jacuí, lugar de muitos pesqueiros e rodeado de mata, parte nativa, parte plantada por ribeirinhos como proteção do rio contra a erosão das terras cultivadas, de um lado ou de outro do caudaloso rio. Costumava pescar num lugarzinho que arrumei, onde se conseguia fisgar alguns peixes e naquele dia resolvi que iria pescar. Arrumei as tralhas, incluindo uma frigideira dentro da qual estava tudo que precisaria para comer um peixinho frito. Peguei o cavalo baio e o atrelei na carroça. Dei-lhe água e alimentação, já que cavalos não comem peixes, depois fui falar com alguns amigos pra ver se queriam ir, cheguei na casa do João, ele não estava, fui um pouco adiante e falei com o filho do Patrício, disse ele, pai viajou cedo hoje. Fui na residência do Antônio Carlos e respondeu-me que havia marcado um jantar com a família e não iria, por fim cheguei no armazém do Joaquim para comprar uma cachaça e lá estava o Jacaré comprando algumas mercadorias, Convidei-o e respondeu-me que não podia, havia aprontado em casa e seria melhor se redimir com a patroa. Tudo bem, cada um com seus problemas, mas eu não tinha problemas semelhantes aos deles e resolvi ir sozinho. Cheguei no pesqueiro ainda cedo e me instalei, depois peguei iscas e daí por diante. Começou a escurecer. Lembrei-me de fazer um fogo pra espantar os borrachudos, sai a catar lenhas, ajeitei no antigo lugar preparado com pedras para não espalhar incêndio da mata e fiquei aguardando uma fisgada de algum incauto peixinho. Nada. Quando deu mais ou menos nove horas da noite bateu a fome, peguei a frigideira e a coloquei no fogo com uma linguiça. Enquanto aguardava tomava uns tragos da canha e olhava a linha. Nada. Não pescava nada. Sai um pouco para pegar uma lenha mais durável pra passar a noite, quando ouvi movimentos, parecia de algum animal, porco do mato que por ali havia muitos. Mesmo assim escondi-me atrás de um eucalipto mais grosso, peguei a faca da cintura e fiquei à espreita. Ouvi novamente barulho e era do andar de um cavalo. Fiquei quieto, cada vez mais quieto, cavaleiros aquela hora, no mato cerrado onde estávamos era muito difícil, mas não impossível e foi o que a seguir vi.

-Buenas noite! Disse alguém.

-Buenas! Respondi com a voz trêmula.

Montado num cavalo preto, estava um homem vestido à gaúcha, ou pilchado como se diz no Rio Grande do Sul, bombacha e camisa pretas, chapéu preto com barbicacho preso sob o queixo, botas pretas muito bem lustradas. A exceção era o pala branco como algodão. Pendente da cintura uma adaga prateada que parecia soltar faíscas. Não havia luar, mas minha lanterna iluminava o entorno.

-Venho de longe e estou com sede, tem um trago aí?

-Tenho sim! Respondi e criando fui na direção dele e alcancei-lhe a garrafa. Bebeu tudo. Secou. Não lhe disse nada quando ele me devolveu a garrafa vazia.

-Tu vais pegar um peixe grande hoje, tua comida vai queimar se não voltares. Disse o sujeito.

-Quem é senhor? Perguntei.

-Não sou ninguém, diga por aí que falou com o homem do pala branco.

Dito isto levantou o relho e estalou levemente no ar. O cavalo começou a andar e logo trotou e em seguida estava em disparada. Uma ventania se formou sobre o mato. E eu com uma garrafa de canha vazia e louco de medo, tremendo. Mesmo assim não joguei a garrafa fora pra não deixar lixo a prejudicar a natureza, guardei-a na carroça a tempo de tirar frigideira do fogo e olhar a linha, foi neste momento que o peixe fisgou. Puxei-o com todo cuidado, realmente era muito grande. Uma traíra podia-se dizer fora dos padrões dos peixes daquele local. Levei -a para o isopor e vendo a garrafa vazia fui guardá-la também no mesmo lugar. No entanto havia uma surpresa, a garrafa estava cheia, até o gargalo. Mesmo á noite, resolvi ir embora, nem comi nada e também resolvi não tomar aquela cachaça. Atrelei o cavalo e voltei pensativo. Ouvi uma risada ecoando sobre o mato e o rio.

Será que volto a pescar? Melhor mudar de lugar.

drmoura
Enviado por drmoura em 26/12/2020
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