A carraspana
Eu vi um homem com uma garrafa naquele domingo. Pela sua trajetória em zigue-zague, dir-se-ia que havia acabado de sair de uma taverna, embora não houvesse nenhuma nas redondezas.
- Como então, a carraspana não foi suficiente? - Indaguei severamente, aproximando-me dele a cavalo.
O sujeito me encarou com ar contrafeito, cenho franzido.
- E o que você tem com isso? Isso é da minha conta!
- Há leis nesta colônia - recordei, parando o cavalo. - Uma delas diz respeito à sobriedade, ou, ao menos, a não apresentar-se em público bêbado como um gambá.
As palavras pareceram ter surtido algum efeito; o tipo ao menos tentou equilibrar-se sobre as pernas.
- Não há cerveja nessa maldita terra de selvagens - grunhiu. - Um homem bebe o que encontra - sidra, rum!
- E onde encontrou a bebida para saciar sua sede de álcool? - Inquiri, apontando para a garrafa pela metade que conduzia.
O homem olhou na direção da costa.
- Restos de naufrágio vieram dar à praia... um barco espanhol deve ter sido afundado. Há várias caixas de rum na areia esta manhã.
- Pois eu sugiro que nem volte mais lá, nem dê ciência de tal fato aos seus correligionários - comandei. - Terei que comunicar o ocorrido ao governador.
- Achado não é roubado! - Protestou ele.
- Você pode achar também chibatadas no lombo e uma marca com ferro quente no pescoço, se continuar com esse comportamento - adverti, mão na coronha da pistola que trazia à cinta. - Com o agravante de que hoje é domingo, dia dedicado ao Senhor; se a bebida foi criada por Deus, a embriaguez certamente é obra de Satanás!
O bêbado baixou a cabeça, vencido.
- Perdão - resmungou. E soltou a garrafa, que derramou seu conteúdo na terra, prosseguindo a trajetória de volta à colônia com passos trôpegos.
Quanto a mim, após observá-lo por alguns instantes, dei rédeas ao cavalo e segui para a praia. Se ainda havia salvados a recuperar, eu precisava inventariar tudo antes que aparecesse algum outro bêbado. Ou, pior: alguém mais rápido do que eu.
- [06-12-2020]