325 - O Desertor
Quando voltou a terra estava vazia e ainda algumas casas ardiam. Os tiros recuaram para muito longe e um ou outro cão vadio latia. Na sua casa alojara-se um desertor. Chegou descalça e deitou-se na cama ainda feita. Não fechou a porta. Achava-se sozinha naquele mundo de calor e destruição. O sono pesado chamou a atenção do homem que ficou a olhá-la da janela aberta. Quando acordou sentiu cheiro de comida. Alguém na sua cozinha ultimava o churrasco de frango e pusera a mesa para dois. – Quem é você? Isso pergunto eu, respondeu o rapaz, usando tudo como se há muito tempo morasse ali. Esta é a minha casa, disse. Vivia aqui com os meus pais. Consegui fugir depois de ser, à força, a mulher de um deles. Estou grávida. É provável que venham aqui procurar-me. – Duvido. Os nossos perseguiram-nos para lá do rio e os caminhos estão minados. Eu desisti desta guerra, escondi-me e fiquei. Tal como você não sei o que fazer nem como poderei sair vivo daqui. Venha comer. Matei um dos frangos, o primeiro que se deixou agarrar. Há ovos com fartura e ainda hortas com alguma coisa para comer. E ela arrastou-se até à mesa, saciou a fome de muitos dias e, sem agradecer, fechou-se no quarto. O homem lavou a louça, arrumou a cozinha, sintonizou no rádio as notícias e acabou por dormir sem camisa, na cama de casal que escolheu para si quando chegou. À noite cobriam com cobertores as janelas e só depois acendiam o candeeiro a petróleo. Na vila deixara de haver luz eléctrica e era perigoso fazer fogo visível ou ter iluminação. Nos dias seguintes ele dividiu as tarefas, racionalizou os víveres e saía para roubar o que pudesse de lojas, casas ou quintais abandonados. Um dia o homem conseguiu contacto através do rádio que tinha, deu repetidas vezes as coordenadas, pediu socorro para uma mulher grávida e, quando, dias depois, o socorro chegou, Diogo já não estava.