LUCINHA E JÚLIO
Lucinha era uma moça recatada, pura, não dava chance para os marmanjos que lhe cortejavam.
Roupas sempre discretas, jamais saias curtas ou blusas decotadas. Exemplo a ser seguido pelas moçoilas da cidade.
Era a noiva que os rapazes de família idealizavam. A nora que as senhoras queriam para desposar seus filhos.
Lucinha, a santinha.
Lucinha lutava contra os maus pensamentos, a tentação da carne. Na cama, revirava-se sentindo a comichão lhe corroendo no meio das pernas. Não queria cair em tentação.
Júlio era um senhor de meia idade, sempre de paletó, solteirão, bigodinho fino, cabelos ralos, de boa aparência, educado, fino, respeitador. As más línguas diziam que não se casara porque não tinha habilidade com as mulheres.
Júlio e Lucinha. Não fosse a diferença de idade e fariam o casal perfeito. Pai e mãe de família,exemplares.
Lucinha trabalhava como recepcionista no posto de saúde da prefeitura. Júlio havia marcado uma consulta porque andava depressivo, desanimado, cansado da vida.
Era uma manhã de primavera. Júlio caminhava pelas calçadas forradas de folhas amarelas dos ipês. A brisa matinal tocava sua face carinhosamente. O sol ameno aquecia seu corpo, os pássaros cantarolavam nas ameixeiras. O flamboyant se enfeitava de belas e multicoloridas flores. Júlio não percebia a beleza do mundo. Parecia usar lentes cinzentas que tornavam a natureza opaca, sem brilho.
Júlio adentrou no posto de saúde.Seus olhos cruzaram com o olhar de Lucinha. Sentiu algo diferente. Uma sensação que há muito não sentia. Uma vontade de ficar olhando para aquela moça atrás do balcão. De não tirar os olhos dos olhos dela. Suas pernas bambearam ao ficar frente a frente com a moça.
- Pois não, você já foi atendido?
Júlio perdeu a fala. Não conseguiu responder. Ela o chamou de “você”. Que sensação gostosa. Parecia algo mais íntimo, mais próximo, menos formal.
- O senhor está bem?
“Ah, meu Deus... Senhor, agora ela me chamou de senhor...” “Você... por favor... me chame de você...”
- Sim, estou bem. Nada sério.
- Vou lhe dar prioridade no atendimento.
“Meu Deus... Prioridade? Será que ela me achou velho”?
O médico lhe receitou um antidepressivo e Júlio saiu o mais rápido que pode do ambulatório para poder olhar novamente para aqueles lindos olhos negros.
Lucinha lhe dirigiu um sorriso e Júlio desceu as escadas do posto de saúde e observou as belas flores da primavera. Que delícia aquele calorzinho ameno do solda manhã. Respirou fundo e sentiu o ar matinal a lhe revigorar os pulmões. Pisou com cuidado no amarelo das flores dos ipês com medo de amassar o tapete trançado pela natureza. Olhou o mundo com lentes coloridas como nunca tinha olhado nos últimos anos.
Em casa, sentou-se defronte ao computador e seus dedos macetaram as teclas. Olhou na tela e ficou admirado. Ele tinha composto um versinho apaixonado:
Aquela estrela brilhante
Que enfeita a madrugada
Roubou o esplendor do diamante
Dos olhos de minha amada
Ele não acreditava. Jamais se sentira capaz de escrever algo romântico, que falasse de amor.
À noite, Júlio deitou-se e agarrou o travesseiro pensando em Lucinha. Imaginou-se beijando os doces lábios da bela rapariga. “Lucinha, meu amor, durma bem, sonhe comigo”. Seus olhos se fecharam e teve uma noite foi de belos sonhos.
Amanheceu... Um novo dia na nova vida de Júlio. A primeira coisa que lhe veio à mente foi sua musa, Lucinha. Queria vê-la, precisava vê-la. Iria ao posto de saúde.
Naquela manhã, Lucinha estava um pouco deprimida. Sentia falta de amar alguém.
Ao ver entrar aquele senhor reparou que ele lhe olhava de uma forma diferente. Seria um daqueles maluquetes que chegavam ao posto para consultar o psiquiatra?
A vida de Júlio continuou solitária por muitos anos, mas em seus sonhos Lucinha preenchia o vazio de sua existência..