318 - Maridos
Trazia-o sempre ao pescoço como uma espécie de amuleto. Sendo incomum suscitava curiosidades e perguntas. Sobressaia no colo a ganhar gelhas e os três retratos de esmalte e prata avultando paralelos no cordão onde os soldaram, viravam-se para um e outro lado, como se entre si conversassem, ao peito da mulher que, à sua maneira, todos amaram. Henriqueta, a dama truculenta que casara ingénua uma só vez, aprendeu que o amor é como vida que se escolhe. Respondo e a conversa muda, calo-me e aceito, falo eu sozinha e acabo com um fio a correr vermelho do nariz. Fora exactamente assim com o seu Ambrósio, homem de poucas falas, exigente, que, para compensar os defeitos, valia muito a pena. Deu-lhe o terceiro filho, João, olhos mansos como o pai e telhudo por dentro. De Joaquim foram os dias irresponsáveis, festas e romarias, pouca comida na mesa, jantar sempre fora de horas, sorriso alvar para dizer aos outros da felicidade que era só de espuma. Mentia muito, por hábito, por necessidade ou sem ela. Com ele aprendeu os acertos, as leituras atravessadas, que nem tudo o que dizia era para valer. Levou-o Deus cedo. Se foi ruim a vida com ele? Não, que ideia! Foi tudo leve, dinheiro, comida, trabalho, harmonia. Havia dias em que era o homem ideal e muitos que o retiravam do céu e pregavam com ele, assim bêbado, arrojado na meda de palha no estábulo. Deixou-lhe, feitas as contas, saudades e foi ele pelo que legou de recordações alegres que a levou a enfrentar outra vez a ironia do padre, vestida ainda de noiva, com flor de laranjeira a cair-lhe do penteado. Sim, sempre puro era o seu coração e como tantas vezes lhe disse o marido seguinte, pai dos gémeos, o equipamento lavado funciona como novo. Se estaria disposta a colocar outro retrato no cordão? Talvez sim, talvez não, disse mostrando na gargalhada os dentes cariados.