“Bravo, Alejandro Bravo!”
Essa história é sequência da " Macaquitos"
03.04.2018
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Em estrada com baixo movimento aguardavam que um "bom samaritano" os levasse mais ao sul. Viajavam pelo Chile. Ele e o amigo já haviam pegado algumas caronas pelo trecho e tinham acabado de descer da caminhonete dos uruguaios que lhes deram a primeira no início da viagem. Era a segunda vez que se encontraram inesperadamente na estrada e os chamavam de "macaquitos!". Eles apelidaram os uruguaios de "o vermelho e o negro" pela cor de seus cabelos. Muita coincidência, apesar de não terem gostado do apelido dado pelos uruguaios.
Eis que aparece um carro antigo, velho - um Ford dos anos 1940, cupê, duas portas, frente cumprida e traseira arredondada, pintura desgastada e sem cor, lataria toda batida - e para ao lado deles. Mais parecia um calhambeque!
- Teremos trabalho com esse carro velho, não deve andar nada e ainda por cima ficaremos na estrada. - Pensaram.
Entraram no veículo e o motorista, muito amigável e falante, vai tocando o carrinho com cuidado e suavidade. Escutam o ronco forte do motor e ele lhes diz ser um "V8" potente com cerca de quase cem cavalos! Seu amigo brincou dizendo que tinha um haras debaixo do capo do motor do carro! Sorriu satisfeito o motorista pela brincadeira e elogio do seu amigo. Muito simpático era ele.
Seu nome: Alejandro Bravo, engenheiro agrônomo, casado e com dois filhos, morador de Curicó, cidade no percurso deles, para aonde se dirigia. Contou-lhes como a situação econômica e política do país estava difícil, com a ditadura militar imposta há cerca de 4 anos, a falta de emprego, a economia parada, enfim, como era difícil sobreviver naqueles tempos no Chile. Era janeiro de 1977.
Depois pergunta a eles sobre a situação no Brasil. Queria saber sobre a economia e oferta de trabalho dizendo ter vontade de se mudar para lá. E sobre o futebol, pois os chilenos admiravam a seleção brasileira por causa da copa de 62. A conversa fluía alegre. Ele não os chamou de "macaquitos".
Em certo momento um carro mais moderno e novo tentou ultrapassá-los. Alejandro percebeu a tentativa, acelerou o motorzão do "fordeco" e um ronco possante rugiu forte com a velocidade aumentando rapidamente. Emparelharam um com o outro, era pista única, e os dois carros seguiram por um bom trecho dela lado a lado até que o outro reduziu sua velocidade e voltou para detrás deles. O calhambeque mostrara toda sua potência espantando o outro motorista e a eles.
Alejandro ficou exultante e sorrindo reduziu a velocidade também. Eles riram da sua brincadeira. Moleques eram: os três!
O carro novo manteve-se atrás por um longo trecho e ao tentar nova ultrapassagem, Alejandro acelerou novamente frustrando a ultrapassagem. De novo! O outro motorista xingou - " hijo de puta, maricón", recuou e ficou atrás deles pelo resto de sua viagem. Conformou-se com a impossibilidade de conseguir ultrapassar o calhambeque. Ouviam-se muitas risadas no carro velho, e Alejandro exultante com a façanha os convidou para sua casa, pois estavam chegando à cidade onde morava, Curicó.
Os levou para a sua casa onde conheceram a família, a esposa e os dois moleques muito alegres e falantes iguais a ele.
Convidou-os para ficar àquela noite em sua casa. Agradeceram, pois queriam seguir viagem para chegar o quanto antes em Valdívia, mais ao sul ainda, e assistir ao campeonato sul-americano de basquete que lá acontecia.
Tomaram refrigerantes e conversaram um pouco mais. Companhia muito agradável e feliz a "família Bravo"!
Depois, ele os deixou na saída da cidade à beira da estrada novamente. Trocaram endereços e mantiveram correspondências por longo tempo depois desse encontro fortuito, cada um em seu país. Entretanto, as cartas foram minguando até não mais se escreverem e cada qual seguiu sua vida.
Ficarão nas suas memórias os breves, mas intensos, momentos que partilharam.
São pessoas que passaram por suas vidas por um instante e que talvez nunca mais verão. Inesquecíveis!
Inclusive o seu calhambeque.
Bravo, Alejandro Bravo!
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